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Mostrando postagens de setembro, 2015

E A CHUVA CONTINUA CAINDO

Eliana Gesteira Cabelos espalhados no ar e saia esvoaçante em mãos que em vão se esforçavam. Um assobio forte, seguido de um ruído de coisa quebrada, assustou uma jovem. Sob seus pés voavam pedaços de vida esquecidos na rua durante aquele dia quente de setembro. Embora o mundo estivesse preste a desabar, a jovem, que os amigos chamavam Bia, encontrava-se sentada no banco da praça desde o início da tarde, quando o céu sobre sua cabeça passou de um azul claro brilhante para um pesado cinza escuro.  “Preciso me acalmar”, disse a si mesma. Mas o dia anterior insistia em surgir como um pesadelo que não acabava nunca e calma, definitivamente, era algo que Bia não desejava ter naquele momento.  Apesar de sua obstinação em não sair do lugar, quando os primeiros pingos de chuva começaram a cair sobre sua cabeça e a molhar seu rosto, ela não teve escolha. Correu contra o vento e foi encontrar abrigo num restaurante no outro lado da rua.  Enquanto corria, lhe veio à lembrança

TEMPESTADES

Elisa Maria Rodrigues Sharland A natureza tem suas belezas e encantos, mesmo quando sua expressão violenta representa tormenta para aqueles que são, por essa expressão, atingidos. Também os seres humanos, em muitas de suas expressões, se assemelham àquelas da natureza. Erupções, tempestades, ventanias, avalanches, terremotos, tsunamis – a natureza em sua linguagem agressiva que representa um grito de socorro e, ainda que seja chamado, pela ciência, de “fenômeno da natureza”, é visto como um desastre, uma catástrofe, que assola e desfigura paisagens e pessoas. Assim também, nós, em reações violentas, somos comparados a esses desastres e, as consequências podem ser tão devastadoras quanto àquelas provocadas pela natureza. Seria porque ambos – natureza e humanos – fomos gerados pela mesma energia inicial – o Big Bang, nos assemelhando assim nesse poder de destruição? Pensando nisso, Letícia começou a refletir sobre as suas fúrias incontroláveis, a que era acometida algumas

UMA QUESTÃO DE TEMPERAMENTO

Maria Júlia O vento sopra lá fora...É um som abstrato e fundo. Seu sentido é ser profundo Fernando Pessoa  - O vento gosta de mexer com pessoas e coisas tirando-as do seu delicado equilíbrio. Um ar em movimento que pode fustigar, incomodar, imobilizar, destruir, impedir a passagem, isolar os corpos, matar.  Por outro lado, sempre esteve disponível para servir de metáforas a obras imortais. Quem não apreciou a bela saga gaúcha de Érico Veríssimo? A narrativa sobrenatural de A sombra do vento? O épico E o vento levou... que conduziu Scarlet O’Hara e Reth Butler pela Guerra da Secessão americana afora? O amor fatídico de Cathy e Redcliff no Morro dos ventos uivantes?  Porém, o vento também é capaz de praticar estranhos feitiços. Lamentavelmente, nem Emily Bronte nem Margaret Mitchell, foram capaz de escrever uma só linha após o sucesso alcançado por estas duas obras. O vendaval literário imobilizou-as para sempre.  - Outro dia, daqui da varanda, observei que

LOUBOUTIN

Jurandir de Oliveira A culpa foi dela. Da chuva! Entrei por 5 minutos e quando sai, aquele temporal.Aqui no Panamá é assim. Seis meses de sol e seis meses de chuva. Estávamos nos seis de chuva,é verdade, mas o dia andava tão bonito que nem desconfiei, não como as outras vêzes que olho pro céu e aquelas nuvens negras, rondando. Fui só para comprar um chiclete, detesto almoçar e ficar com aquele gosto de comida na boca.Entrei na drugstore, só pra comprar o maldito chiclete. Eu já a tinha visto na fila. Impossivel que não, sou do tipo de casado que não busca encrenca mas   quando ela saiu da fila, movendo-se daquele jeito, só um cego não olharia, cego ou coisa pior. Paguei com os 2 quarters que tinha no bolso, rapidinho,querendo voltar de uma vez pro escritório e só então   percebi aquela algazarra   de gente entrando toda molhada. Havia um temporal la fora. Já a rua estava alagada. Sai e fiquei alí, debaixo da marquise da Arrocha olhando aquele caos. Chuva com vento e

CHUVA DE ESTRELAS

Sonia Andrade Era sempre a mesma coisa. Uma discussão interminável por qualquer motivo fútil. Depois, o arrependimento por ter perdido a calma e cair na mesma armadilha. Cada ser humano é uma ilha, refletiu. Algumas vezes, formamos arquipélagos. Outras vezes, nas palavras de Marçal Aquino, ”uma ilha de cada lado no meio de um oceano nada pacífico”. Exatamente como estava acontecendo agora.  Não sabia bem o que fazer. Em caso de dúvida, costumava seguir a intuição. Mas era preciso muita paciência e silêncio para ouvir a voz da intuição. Só conseguia ouvir, naquele momento, o sibilar do vento na janela, o ruído de portas batendo. Observou, através das cortinas que balançavam, folhas de árvores voando pelo chão. Prenúncio de chuva no ar. A imagem lembrou o que ele sempre dizia: -- Você está fazendo uma tempestade num copo d’água. Levantou da cadeira de um salto e refletiu se devia ir embora ou continuar ali, na esperança de melhorar a situação. Todos fazemos nossas esco