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Mostrando postagens de junho, 2015

A CARTOMANTE

Liacora Ela era assim, vestia a saia estampada que escorregava cintura abaixo até que amarrava a faixa vermelha.../ a blusa ela tinha duas opções : podia ser uma de mangas fofas e toda trançada na frente, cor ocre ou uma camiseta vermelha de malha rendada/ ela gostava do modelo da 1a e da cor da 2a/ escolheu vestir a de mangas compridas e enfeitou com uma flor vermelha/  Aquela menina tinha só 12 anos e toda 5a feira vestia-se de cigana e atravessava a ponte até o Bairro Sigaud/ era um bairro de imigrantes do leste europeu e era lá que o seu tarot se manifestava/ há um ano que aquele baralho era seu/ presente da sua única tia/ a menina ficara fascinada com as imagens dos arcanos maiores/ examinara cada detalhe e as associações vieram sem controle/ ela sabia que tinha algo especial nas mãos/ a partir daquele dia , seu tarot ia com ela para todos os lugares, dentro de um saquinho de malha/  Ester era pobre/ não conheceu seus pais e só depois de maiorzinha ficou sabendo que

CARTOMANTE

Jerusa Nina Mulheres de saias rodadas de muitas rendas coloridas. Dentes de ouro e pescoços carregados de penduricalhos. Mal descíamos da barca em Niterói e as andarilhas estendiam as mãos buscando as nossas para ler. Mistério em seus olhares aguçava minha curiosidade a ponto de me fazer insistir para que papai deixasse os segredos da minha vida serem desvendados em décadas antes das experiências. Um pouco contrariado ele aceitou fazer minha vontade. - Terás vida longa! “Que bom!”. Pensei.  Aos sete anos já não me agradava mesmo a ideia de morrer. “Quem me dera pudesse dizer que não morreria nunca. Aí sim, seria uma grande revelação”. - Esta aqui é a linha da vida... “Como ela consegue ler as linhas das mãos? Que dom divino! Mas onde estão as letras? Quem me dera se ela conseguisse ler as letras nas mãos. Aí sim, seria uma grande revelação. - Vás casar cedo! “Nossa, como ela pode saber disso? Que maravilha! Mas com que idade? Quem me dera se ela

UMA QUESTÃO DE FÉ

  Sonia Andrade Não acredito em bruxarias, mas sei que elas existem. Atire o primeiro búzio quem nunca teve curiosidade sobre o futuro, principalmente, sobre o seu futuro. Não vivo buscando uma vidente para chamar de minha, uma guru. Mas, sou mulher e não resisto quando uma amiga sugere uma visitinha a uma vidente que acertou tudo com ela. Nesse momento, a curiosidade fala mais alto que a razão. Curiosa que sou, aceito a sugestão. Muito mais impelida pela simples curiosidade do que por necessidade de solucionar algum grave problema. É o sonho da bola de cristal que resolve tudo para a gente, poupando-nos da necessidade de pensar muito para tomar decisões e evitando correr riscos. Simples assim, desde que só nos dessem notícias boas. As amargas não, como disse o escritor. Em todas as vezes, acreditem, fui com fé. Mas, parece que fé é um sentimento sobre o qual não temos controle absoluto. Movida por esse impulso e pela propaganda positiva de amigas, consultei algumas videntes.

THEO E A CARTOMANTE

Julia V. Caramelos desacelerantes. Era o que eu queria agora. Big Crunch, o Bang ao contrário, quando a expansão acelerada se detém e surge a contração. Do universo. Eterno Retorno para tornar um pouco mais sustentável. Essa leveza... Porque eu como historiadora, me contradigo constantemente? Circular, acredito. Que assim seja toda a história. Espiral, para cima e para baixo, debaixo. E vai levando todas as coisas que existem. Texto confuso esse. Quem pensa, pensa melhor andando. De bicicleta. No contra-fluxo, claro, sempre. Da Djalma Ulrich, pego a Barata Ribeiro e sigo reto até a Figueiredo. Passando pela Constante, lembro a música de Cazuza, “Vamos lado a lado como dois gigantes enfrentando os ônibus”. Paro, ligo o Belle and Sebastian. “Ooh! Get me away from here, I’m dying/ Play me a song to set me free”. Theo é “Deus supremo” em grego... Agora acelerou de vez. Tanto que pareço voar. Como aquele balanço lá do sítio... O topo das árvores, o céu no meio delas, azul já ficando es

ENCONTROS

Eliana Gesteira Alfredo pegava o ônibus toda manhã às 6h, almoçava às 12h e saía às 17h. Nas ruas do Centro da Cidade andava apressado, cabeça baixa, fugindo dos esbarrões e da confusão de gente que olha mas não vê. Chegava com pontualidade em sua sala às 8h e executava prontamente suas tarefas. Por ser eficiente e rápido, ganhava tempo para distrações, que consistiam basicamente em se imaginar ora roubando a empresa em que trabalhava, ora pilotando aviões ao redor do mundo. Esse, um sonho gasto, por tantas vezes sonhado. Alfredo também era pouco afeito a amizades, portanto, foi com surpresa que ouviu seu nome na avenida movimentada onde fazia sua caminhada na hora do almoço. Era o Vítor, um conhecido que não via há anos. Pelos modos e roupas do sujeito, pode perceber que ele havia vencido na vida e que parecia gostar de se gabar. Essa impressão levou Alfredo a desconversar sobre seu emprego atual e embaralhar-se nos assuntos daquele inusitado encontro. Ao ir embora, sem m

ATENÇÃO

Angela Fleury Há tempos atrás consultei uma cartomante, dessas que colocam cartas de tarô em cima de uma mesa, ela de um lado, eu do outro. A expectativa era que ela descrevesse a minha personalidade, minha vida passada e presente e previsse o futuro. Que me trouxesse soluções para determinadas situações nas quais tinha dúvidas de como agir. Que dissesse o que estava por vir. Mas as cartas não tinham respostas prontas como eu desejava, mas sim outro olhar para as indagações. As cartas não respondiam às perguntas, elas indicavam uma direção: Dê ouvidos à voz interior para saber o rumo a ser tomado, mantenha desbloqueados os caminhos que levam à intuição.  Sempre seguindo as instruções da cartomante, repetidas vezes, embaralhei as cartas, as cortei ao meio e coloquei os dois montes sobre a mesa. Muito séria e concentrada a vidente dispunha as cartas cuidadosamente uma ao lado da outra e as imagens, claras e estimulantes com suas cores vibrantes, iam me conectando com o que queri

PARA ONDE IR?

Elisa Maria Rodrigues Sharland Andava sempre sozinha já fazia muito tempo... Não exatamente só: partilhava da companhia dos filhos, agora já adolescentes, dos amigos, colegas de trabalho, mas, no fundo sentia-se só. _ Por quanto tempo mais terei que abraçar essa solidão? Perguntava-se Iolanda, constantemente, com maior frequência do que gostaria. Por mais que tentasse encontrar explicação para esse estado da alma, não a achava. Já havia buscado várias alternativas que pudessem aliviar esse sofrimento que cavava cada vez mais fundo em sua alma: terapias, florais, médicos (até um médico Ayurveda já havia consultado), reflexões, grupos de discussões, cursos em áreas diferentes daquela em que atuava profissionalmente), ..., mas nada parecia satisfazer àquele enorme buraco que existia em sua vida. E assim, continuando sua caminhada solitária, em mais um dia de questionamentos e reflexões, Iolanda, quando se dirigia ao salão de beleza, se sentiu atraída pelos anúncios,

MERGULHO NO MAR

Jurandir de Oliveira Busco um papel e um lápis e começo a fazer algumas anotações . No princípio o tema não me atraiu muito, estive a ponto de passar a vez. Então tive uma ideia:incluir uma cartomante em um texto que escrevi tempos atrás sobre um crime. Seria uma solução perfeita se eu não tivesse tão boa memória. Fui buscar entre meus velhos e empoeirados livros e já quando ia desistindo de procurar encontrei o volume de contos de Oscar Wilde e entre eles O Crime de Lord Arthur Savile. Me sento ai mesmo em um puff ao lado da estante e releio rapidamente o têxto. Minha memória não é tão boa como pensei, pois se trata de um quiromante e não de uma cartomante. Foi então devolvendo o livro ao seu lugar que me lembrei de Macabéa. Ahh Macabéa Macabéa dizia a voz sonora de Fernanda Montenegro transmutada em cartomante no filme a Hora da Estrela: Macabéa, Macabeazinha...  Atrasado, vou para o trabalho com essa imagem e a do carro fulgurante que no desfecho terminava com a vida da

CLARIDADE E CLAREVIDÊNICA

Maria Júlia  Enquanto ela costura a bainha da cortina da janela do quarto (cortinas pesadas são necessárias nos países do norte onde no inverno o vento sopra forte e a claridade se vai por volta das quatro da tarde), e conversa com seus botões, toca o telefone. Uma boa amiga, jornalista de uma conceituada revista mensal, anuncia que finalmente, saiu a aprovação do projeto da entrevista com a primeira e única paranormal do pedaço. A amiga é nortista, ex-protestante, pragmática. Tal e qual o seu país. Lá ninguém foi canonizado nem mesmo beatificado, conversou com os mortos nem rodou copos na mesa. É verdade que chegaram a queimar bruxas, mas isso já faz muito tempo, lá pelo século XVI. Bem, no momento em que o telefone toca, religião, transcendência, vida após a morte e temas afim não fazem parte do cotidiano (nem talvez do imaginário) deste povo; pelo contrário, são assuntos encaradas com certo desdém nos “lugares frios e civilizados” do planeta, como os próprios habitantes gostam