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Mostrando postagens de fevereiro, 2017

DARLENE

Victoria Wilson Não sei quando foi que me embruteci. É sábado de manhã. Lavo minhas roupas íntimas no tanque. E é isso que me dá o sentido da vida. Foi sempre assim, desde que me casei. Toda vez que acontecia algo importante ou o tédio tomava conta de mim, ia pro tanque e lá lavava roupas, sonhos e talvez mágoas. Mágoas, não. Hoje sei que eram raivas, muita raiva, ódio, às vezes. Um rancor enorme, sem fim. Logo eu? Tão meiga e cordata? Como poderia guardar tanto rancor assim? Tudo começou naquele dia. Era um verão escaldante, meus pés inchados de tanto andar, carregando peso. Aliás, tarefa à qual fui me submetendo no decorrer dos anos. Carregar peso pra cima e pra baixo. Isso me aliviava de certa forma, de algo desconhecido para mim até então. Só fui saber mais tarde, muito mais tarde. Carregava peso pelas ruas, então, a pé. Sequer pegava um ônibus ou táxi. Táxi, então, nem pensar? Como gastar dinheiro com táxi? Várias sacolas penduradas pelos braços, antebraço; as marcas vermelhas, ro

DE PEDRA... DE AVE...

Inez Helena Muniz Garcia Por ser de lá... do interior, do mato... da pedra...da anta preta... Ita... peruna... algumas vezes, sou pedra que voa, em outras, ave... com asas... de pedra... Curso Normal, Científico, ao mesmo tempo, meados dos anos 1970. Graduação: comecei na Geografia... na UFF...  fui para a Matemática, licenciatura plena em Matemática e Física/1980. Professora, ensino médio, escola pública, matemática e física, 1983. Depois, Letras, com licenciatura plena em Português/Inglês e suas respectivas literaturas/1984. Vim tanta areia, andei...  Vida de bancária, do BB... desde 1975... Rio Grande do Norte, Brasília, Minas Gerais, Niterói, Rio de Janeiro... Militâncias? Sindicais, político-partidárias, pastorais...   De pé, ó vitimas da fome!/De pé, famélicos da terra!/Da idéia a chama já consome/A crosta bruta que a soterra. Bem unidos façamos,/ Nesta luta final,/ Uma terra sem amos/ A Internacional... Especialização? IAG Master RH em Recursos Humanos, PUC/RIO/1998...  

ESSA ESTRANHA MANIA DE SER DOIS

Vaneska Mello. Das coisas que mais nos ocupamos entre o nascer e o sucumbir sozinhos, está o delírio pelo fim de nosso exílio. Mãos dadas, vidas coladas. Desejos e sonhos comuns. Simbiose de ideias e pensamentos. Ausência de segredos. Eu não vivo sem você. Sem você nada faz sentido. E o poetinha ainda canta baixinho: “sem você meu amor eu não sou ninguém”.  Isso parece ser tudo que buscamos em matéria de afeto. Parece, até percebermos a ausência de nós mesmos na vida a dois que construímos. Sentir que somos dois nos dá a ilusão de que estamos a salvo do desabrigo da alma. Mãos atadas, vidas cerceadas. Desejos, sonhos, ideais e pensamentos que não se sabe ao certo de quem são. Ausência de privacidade. De repente a história de amor consumiu a identidade de dois seres antes completos. Ao faltar o outro só se é metade de alguém. Talvez ninguém. Não é uma regra geral dos afetos. Há pessoas que os vivem de outra forma, mais leve e plena. Há indivíduos que conseguem enxergar no

MOSCOU -VILA ISABEL: LINHA DIRETA

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Maria Júlia Hoje de manhã, na Clínica aqui perto de casa, sou atendida pelo doutor Benjamin Gorberg, um velhinho de fartos cabelos (brancos), olhos azuis, sorriso jovial e conversa fácil:  - Não, não sou alemão, qual é? Sou judeu russo, cheguei ao Rio em 1932 aos seis anos de idade. Vim de Moscou, direto para Vila Isabel, numa terça de Carnaval. Então, posso afirmar que o samba me alfabetizou. Entre uma aula e outra, uma namorada e outra, um problema e outro, meu consolo era Noel Rosas. 'Aí, quando esta vida não estava sopa eu perguntava: com que roupa? -É mesmo?  -Agora canto no Bipbip, o boteco cult do Posto 5, conhece? Meu ídolo é Noel. Pois foi ele, homem branco, classe média, que trouxe um refinamento para a música popular. Foi ele que fez o pessoal aceitar o ritmo inventado pelos negros e tocado pelos malandros da Lapa. Formidável! Vila Isabel dos anos 30, uma terça carnavalesca. Fico pensando nos pais do médico nonagenário desembarcando no caos e calor