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Mostrando postagens de 2015

O MAL AMADO

Sonia Andrade                     A noite quente, sem brisa para amenizar o calor, era um convite ao ar condicionado. Depois de um dia inteiro de visita aos pontos turísticos da cidade, seria preciso desfrutar de uma noite tranquila na temperatura amena, climatizada. Exaustos, dormimos profundamente, alheios aos ruídos externos. Acordamos tarde, de olho no relógio, a tempo de não perder o café da manhã, um dos pontos fortes do hotel. Tudo parecia igual ao dia anterior, até o momento em que olhei pela janela   e percebi algo estranho. -- O que está acontecendo aqui? -- O quê?- ele perguntou, tentando entender a pergunta. -- Parece incêndio. Tem uma escada  de bombeiros encostada à parede do hotel – esclareci. Ele pareceu não acreditar. Como já diziam os antigos, onde há fumaça, há fogo. E não havia sinal de fogo por perto. Saímos do quarto e, no corredor, encontrei vários bombeiros rindo, animadamente. A causa da visita, seja lá qual fosse, já tinha acabado e eles e

Jurandyr de Oliveira Hoje entendo como minha progenitora teve que ser cuidadosa, escolhendo para depositar seus ovos em lugar pouco acessível - debaixo das folhas! O primeiro sentimento que lembro como parte da minha efêmera existência foi o de despertar com uma fome insaciável. Meu corpo movendo-se num ritmo cadenciado sem nenhum esforço . A mente vazia, só o resplendor do verde comigo, se fundindo. E a umidade de algumas gotas de sereno, sobre o aveludado das folhas. São poucas as memórias daquela época.  Movendo-me, descobri que apesar de ter adquirido aos poucos, tamanho e algum peso, podia caminhar em cima ou embaixo das folhas, sem cair. Com o tempo, era tanta a habilidade , que podia estar com somente parte do corpo pegado às folhagens e o resto ao ar.  Podia enroscar-me deliciosamente ou balançar-me. Em segundos, o mundo virava literalmente de cabeça para baixo e um azul brilhante invadia o meu campo de visão.  Os delicados fios que sou capaz de produzir, me

QUE HORAS ELE CHEGA?

Eliana Gesteira  A luz da manhã entra pela janela e cai direto nos olhos de Francisca. Ela desperta e imediatamente se volta para o lado. O lençol no chão e a cama vazia não a surpreendem. Na mesinha do canto um relógio mudo a faz levantar num salto. Prende o cabelo em coque e coloca no corpo franzino o vestido azul claro, procurando disfarçar uma ponta desfeita. Sente uma ligeira tonteira e mais uma vez jura que amanhã irá ao médico. Precisaria, claro, pedir uma folga à Dona Míriam, que fará cara de pena com um “sinto muito”, seguido de um “logo amanhã!?”. Mas afasta o pensamento, afinal não quer ser ingrata com a patroa. Toma café, desce as ruas estreitas e chega ao asfalto. Para na banca perto do ponto, lê as notícias que balançam em jornais desajeitados. Atravessa a rua, dá sinal para o ônibus e se espreme entre os passageiros. Desce, corre e pega o elevador de serviço. “9 e 15 Meu Deus!”. Chega à noitinha, sua casa está em silêncio e às escuras. Francisca anda devagar p

CHAPEUZINHO DE LINHA

Lidia  Detesto, às vezes, ter que ir à rua/ preferia ficar e resolver o problema dessa impressora, que já me fez perder tanto tempo/ estou sozinha em casa e gosto de ficar em casa quando está tudo silencioso/ Vá lá que seja!  quando passei em frente ao jornaleiro, tive certeza de que minha cabeça está tumultuada mesmo/ li na manchete "navalhada no cenário"/ olhei melhor e estava escrito "maravilha de cenário", com referência à música da Império Serrano/ É, tá feia a coisa! / Segui em frente, direto ao banco, chateada por ter que pagar duas contas, com dinheiro emprestado do próprio banco (cheque especial) / detesto dívidas! / no caminho, bem ao lado do ponto de ônibus, na Voluntários da Pátria, em frente à uma agencia bancária, vejo a cena: o mendigo atravessado "béim" no meio do caminho, dormindo com a boca aberta, braços abertos e...braguilha aberta! / o passarinho em pleno voo, formando um angulo, absolutamente reto, em relação à barriga

QUEM TEM ALMA NÃO TEM CALMA*

Vaneska M. Dura é a vida dessa gente que tem excesso de alma. Esses seres que sentem demasiado. Que não mergulham raso. Que não entendem de simplicidade ou leveza. Que são íntimos de obscuros. Que levam tudo no fio da navalha. A eles, toda minha ternura. Como não admirar essas pessoas que sempre ouvem mais do que se diz: uma entonação; uma pausa; um suspiro; um baixar de olhos – tudo tem mil significados. Que sempre leem mais do que se imaginou escrever: a secura do ponto; a pretensão do ponto e vírgula; o exagero da exclamação; o descompromisso das reticências. Que têm olhos capazes de enxergar além do espectro visível.  Como não estimar quem é capaz da maior das humanidades – entender a tua dor. Porque essas pessoas podem senti-la como se sua. Por esta razão, um de seus talentos é uma escuta sempre qualificada e cheia de compreensão e envolvimento. Quem mais entenderia até mesmo a tua palavra sufocada? Como não respeitar esses seres que amarguram indecisões, pois têm

AGORA É QUE SÃO ELAS

Angela Fleury Nem sempre é fácil escrever. Mil ideias, mas todas se misturam, passam de um lado para o outro embaralhando a cabeça. É preciso focar, estar atento e forte, voltar para si mesmo. O que você estava mesmo pensando? O que você estava mesmo querendo dizer? Voltar e sair de si mesmo, voltar e sair, ir e voltar... Vamos lá. Foca. O dia nem bem começou e já está prestes a acabar. São 6 horas já? Não acredito! O dia já acabou e eu não fiz nem metade do que eu estava querendo fazer. O tempo voa. Qual era mesmo o tema desse texto hoje? Política nacional, a meta fiscal, o novo feminismo, o terrorismo internacional, a questão do meio ambiente, o encontro de 150 lideres mundiais em Paris para discutir o aquecimento global? Nem sempre é fácil escrever, nem sempre é fácil viver. Não! Para com isso, você não tem do que reclamar. Olha em volta e reconheça, aprecie e agradeça. Como diz aquele ator argentino maravilhoso, você toma um banho quente por dia, abre a torneira

A VIÚVA

Maria Júlia Era uma vez... Madame B. era uma senhora de origem alemã, viúva de um diplomata. Morava no bairro nobre da cidade, numa imensa casa antiga, de tetos altos, mobília clássica. Alugava quartos para estudantes e foi assim que se conheceram. Da parte dela, foi amor à primeira vista, como gostava de repetir. No caso dele, foi o faro agudíssimo para a causa maior. Ele era bem falante, dono de um humor irônico e mordaz, boa aparência, sabia agradar as pessoas quando queria, e possuía uma tenacidade cansativa, a paciência de Jó para perseguir seus desejos. Madame B. era sozinha, vivia de mal com a família que “só queria o seu dinheiro”, e, com o seu morno calor alemão, acolheu o estudante pobre e isolado. Família ele não tinha, amores, tampouco, apenas alguns amigos e uma vida social centrada nas atividades estudantis. Ajudava Madame B. em algumas tarefas, conversavam sobre filosofia de salão e arte, sobretudo, Matisse, Chagal, e outros, os pintores que ela tinha nas pared

INTEMPÉRIES

Angela Fleury              Uma devastadora guerra civil na Síria parece estar cada dia mais longe de uma solução pacífica. Uma grande nuvem de incertezas paira sobre o céu do Mediterrâneo e seus arredores. A fragmentação do país é evidente. O mapa da guerra descreve a intensificação dos conflitos. A seita alauita de Bashar al-Assad controla a capital Damasco e a Costa do Mediterrâneo, o Estado Islâmico domina várias áreas sunitas ao Leste, outro grupos de rebeldes sunitas controlam áreas no Norte e no Sul e os drusos que até então prestavam lealdade ao governo já começam a pensar em autonomia. O país segue em direção à fragmentação e os efeitos esperados da guerra civil são preocupantes.              Não bastasse esse quadro dramático, que se apresenta por si só trágico e inquietante, tivemos essa semana um agravamento das ações russas no país, intensificado com a ampliação dos ataques aéreos. Os recentes bombardeios liderados por Putin levaram os Estados Unidos a considerar o

E A CHUVA CONTINUA CAINDO

Eliana Gesteira Cabelos espalhados no ar e saia esvoaçante em mãos que em vão se esforçavam. Um assobio forte, seguido de um ruído de coisa quebrada, assustou uma jovem. Sob seus pés voavam pedaços de vida esquecidos na rua durante aquele dia quente de setembro. Embora o mundo estivesse preste a desabar, a jovem, que os amigos chamavam Bia, encontrava-se sentada no banco da praça desde o início da tarde, quando o céu sobre sua cabeça passou de um azul claro brilhante para um pesado cinza escuro.  “Preciso me acalmar”, disse a si mesma. Mas o dia anterior insistia em surgir como um pesadelo que não acabava nunca e calma, definitivamente, era algo que Bia não desejava ter naquele momento.  Apesar de sua obstinação em não sair do lugar, quando os primeiros pingos de chuva começaram a cair sobre sua cabeça e a molhar seu rosto, ela não teve escolha. Correu contra o vento e foi encontrar abrigo num restaurante no outro lado da rua.  Enquanto corria, lhe veio à lembrança

TEMPESTADES

Elisa Maria Rodrigues Sharland A natureza tem suas belezas e encantos, mesmo quando sua expressão violenta representa tormenta para aqueles que são, por essa expressão, atingidos. Também os seres humanos, em muitas de suas expressões, se assemelham àquelas da natureza. Erupções, tempestades, ventanias, avalanches, terremotos, tsunamis – a natureza em sua linguagem agressiva que representa um grito de socorro e, ainda que seja chamado, pela ciência, de “fenômeno da natureza”, é visto como um desastre, uma catástrofe, que assola e desfigura paisagens e pessoas. Assim também, nós, em reações violentas, somos comparados a esses desastres e, as consequências podem ser tão devastadoras quanto àquelas provocadas pela natureza. Seria porque ambos – natureza e humanos – fomos gerados pela mesma energia inicial – o Big Bang, nos assemelhando assim nesse poder de destruição? Pensando nisso, Letícia começou a refletir sobre as suas fúrias incontroláveis, a que era acometida algumas

UMA QUESTÃO DE TEMPERAMENTO

Maria Júlia O vento sopra lá fora...É um som abstrato e fundo. Seu sentido é ser profundo Fernando Pessoa  - O vento gosta de mexer com pessoas e coisas tirando-as do seu delicado equilíbrio. Um ar em movimento que pode fustigar, incomodar, imobilizar, destruir, impedir a passagem, isolar os corpos, matar.  Por outro lado, sempre esteve disponível para servir de metáforas a obras imortais. Quem não apreciou a bela saga gaúcha de Érico Veríssimo? A narrativa sobrenatural de A sombra do vento? O épico E o vento levou... que conduziu Scarlet O’Hara e Reth Butler pela Guerra da Secessão americana afora? O amor fatídico de Cathy e Redcliff no Morro dos ventos uivantes?  Porém, o vento também é capaz de praticar estranhos feitiços. Lamentavelmente, nem Emily Bronte nem Margaret Mitchell, foram capaz de escrever uma só linha após o sucesso alcançado por estas duas obras. O vendaval literário imobilizou-as para sempre.  - Outro dia, daqui da varanda, observei que

LOUBOUTIN

Jurandir de Oliveira A culpa foi dela. Da chuva! Entrei por 5 minutos e quando sai, aquele temporal.Aqui no Panamá é assim. Seis meses de sol e seis meses de chuva. Estávamos nos seis de chuva,é verdade, mas o dia andava tão bonito que nem desconfiei, não como as outras vêzes que olho pro céu e aquelas nuvens negras, rondando. Fui só para comprar um chiclete, detesto almoçar e ficar com aquele gosto de comida na boca.Entrei na drugstore, só pra comprar o maldito chiclete. Eu já a tinha visto na fila. Impossivel que não, sou do tipo de casado que não busca encrenca mas   quando ela saiu da fila, movendo-se daquele jeito, só um cego não olharia, cego ou coisa pior. Paguei com os 2 quarters que tinha no bolso, rapidinho,querendo voltar de uma vez pro escritório e só então   percebi aquela algazarra   de gente entrando toda molhada. Havia um temporal la fora. Já a rua estava alagada. Sai e fiquei alí, debaixo da marquise da Arrocha olhando aquele caos. Chuva com vento e

CHUVA DE ESTRELAS

Sonia Andrade Era sempre a mesma coisa. Uma discussão interminável por qualquer motivo fútil. Depois, o arrependimento por ter perdido a calma e cair na mesma armadilha. Cada ser humano é uma ilha, refletiu. Algumas vezes, formamos arquipélagos. Outras vezes, nas palavras de Marçal Aquino, ”uma ilha de cada lado no meio de um oceano nada pacífico”. Exatamente como estava acontecendo agora.  Não sabia bem o que fazer. Em caso de dúvida, costumava seguir a intuição. Mas era preciso muita paciência e silêncio para ouvir a voz da intuição. Só conseguia ouvir, naquele momento, o sibilar do vento na janela, o ruído de portas batendo. Observou, através das cortinas que balançavam, folhas de árvores voando pelo chão. Prenúncio de chuva no ar. A imagem lembrou o que ele sempre dizia: -- Você está fazendo uma tempestade num copo d’água. Levantou da cadeira de um salto e refletiu se devia ir embora ou continuar ali, na esperança de melhorar a situação. Todos fazemos nossas esco

(AINDA ) É PRECISO AMAR BIANCA

Julia Viegas Lua cheia, estrelas. Muitas. Noite alta, teto, chão, cama... Abro os olhos e ela não está mais lá. Ainda é preciso. Iso, iso, isso. Viro de lado, levanto devagar. Tropeço no móvel, pegou o dedinho. Uivo, como dói. Alcanço interruptor. Clique, clique. Não funciona. Será que cortaram por falta de pagamento? A imagem se desfaz, pois não é a mesma Bianca de antes. Aquela que vivia dura que nem coco. Ela (eu) cresceu, apareceu, virou executiva de multinacional, presidente de empresa. Certas Biancas ficaram para trás... Quando já acostumada com a escuridão,  fiat Lux . Era apenas mal contato. Acho. O abajur acendeu. Faz desenhos de flores no chão, reflexos e sombras. Abro a terceira gaveta, a que era dela. De tudo que vivemos, ficou uma meia calça, que ela nunca buscou. E provavelmente não buscará. Como era bela! Só tinha a juventude. Lembrava a mim, quando não havia cartão de crédito, status e pressões. Quando eu não tinha um sobrenome. Meus seios, cintura, quadris, l

SAPATOS PARA QUE TE QUERO

Sonia Andrade Não há nada que exerça maior fascínio sobre as mulheres do que sapatos. Simples peça de vestuário, que deveria apenas complementar o visual feminino, tornou-se objeto de desejo da maioria. Se só temos dois pés, porque precisamos de tantos sapatos? Difícil saber. Atire o primeiro chinelo a mulher que nunca se pegou olhando para o armário repleto de pares, em  dúvida sobre qual escolher  no  momento. Desde crianças ouvimos contos de fadas, como o da Cinderela, em que o Sapatinho de Cristal é personagem quase mais importante que o Príncipe. Afinal, ele só aparece na história por causa do sapatinho perdido pela princesa. Imelda Marcos, esposa de um ex-ditador das Filipinas, ficou famosa por causa dos seus incontáveis pares de sapato que teve que deixar para trás quando fugiu para o exílio. Abandonar os sapatos parece ter sido mais doloroso para ela do que deixar o  país. A primeira peça do enxoval do bebê costuma ser, simbolicamente, o sapatinho de tricô feito pela

OS HOMENS E SUAS PAIXÕES

Ana Paula Cruz Geraldo era um rico fazendeiro de uma cidadezinha do interior. Um senhor distinto e muito respeitado no meio rural onde vivia. Casado há mais de 40 anos com a mesma mulher, ele dizia que vivia um eterna lua de mel com sua patroa. Ele costumava viajar muito, sempre a trabalho. O que ninguém sabia, era o fato de que Geraldo gostava de viver suas aventuras fora de casa. Nas cidades por onde passava, tinha a fama de ser galanteador, ou melhor ''véi enxerido'' como muitas moças costumavam chama-lo. Ele era vidrado por um rabo de saia, e pasmem, só se interessava por mulheres jovens. Numa bela manhã de sábado, Geraldo estava pronto para mais uma viagem, arrumou suas malas, deu um beijo na patroa e seguiu seu caminho. Ao chegar no seu destino final, ele encontrou a sua paquera preferida: Ritinha. Ela é a dona da pensão onde Geraldo costumava se hospedar. Quando ele a viu, mal conseguiu tirar os olhos de seu decote. Ela vestia um vestido vermelho c

AOS MENINOS GENTIS

Vaneska M. Ela é tão essencial para as mulheres que nem deveria ser chamada de acessório. Não há registro histórico de mulher alguma, nem mesmo a mais hippie ou desapegada que não tenha seu modelo preferido e não tenha ao menos umas três penduradas pela casa. Há mulheres obcecadas por elas, acumuladoras. Muitas as carregam repletas de simbologias. Muitas as ostentam como prêmios. De ombro, a tiracolo, tipo mochila, de couro, parecendo couro. Barata, responsável por endividamento de meses, neutra, colorida, exótica. Seja como for, ela, a bolsa, é quase uma extensão feminina. Se a bolsa é da mulher, é em seus femininos ombros, antebraços ou mãos que ela deveria sempre estar. Somos fortes pra isso. A visão de um gentil menino, carregando a bolsa de sua eleita, sempre me causa desconforto e estranhamento. A linda bolsinha de repente vira algo monstruoso, deslocado, um corpo estranho muito estranho. E o que dizer do pobre rapaz? Em ombros errados, aquela enorme bolsa em ve

O ANIVERSÁRIO AZUL

Elisa Maria Rodrigues Sharland Ela saiu devagar, esvoaçante e feliz, iria encontrar aquele, que acreditava ser, seu primeiro amor. Era o dia de seu aniversário e tinha certeza de que não havia nada mais festivo e merecedor de celebrações do que amores e aniversários. Os dois num único dia! Era o primeiro encontro. Aquele que tinha sido tão desejado e sonhado por mais de dois anos. Agora se tornaria realidade. Quanta expectativa... O que seria que a esperava?  Haviam marcado o encontro num restaurante que ela não conhecia. Sabia que não teria nenhum problema, o restaurante ficava numa das ruas mais movimentadas da cidade e perto do Teatro Municipal. Quando lá chegou, sua respiração quase parou, surpresa pela beleza e suntuosidade do lugar. Lustres de cristal brilhavam, dançando com a iluminação que, delicadamente, decorava o imenso salão. As mesas, elegantemente arrumadas, com tantos talheres, pratos, taças e flores que quase se sentiu uma princesa, pronta

A CAMISOLA

Eliana Gesteira O silêncio preenche tudo. De repente um barulho. Uma cabeça branca se estica, mas só consegue ver um carro desaparecer na esquina. Olhos miúdos e frustrados vagueiam sem interesse e, sobre braços cruzados na janela, esperam.  Cansados, eles se voltam para dentro, deixando sem vigilância a rua de poucas casas e muitas árvores.  Mãos ossudas resolvem então pegar uma flanela e passar entre os espaços vazios de cadeiras empoeiradas. Findado o serviço, olhos e mãos se juntam para conferir os móveis e, estando ambos satisfeitos, uma senhora se apruma, toma um banho, almoça e resolve tirar o cochilo habitual.  A senhora desperta e retorna à sala, arrastando seus chinelos de pano. Ela senta no sofá e entre almofadas gastas e puídas procura o controle remoto para ligar a televisão. Não demora mais do que cinco minutos e se levanta: — “Definitivamente, não há nada que preste”, resmunga. Caminhando lentamente chega ao quintal. Lá dá uma espiada no céu para