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Mostrando postagens de julho, 2016

MEU AMIGO DE TOURO

Vaneska M. A depender da boa vontade dos astros, jamais deveríamos ter nos aproximado: meu amigo de elemento terra tem os dois pés bem fincados nela. Eu, bicho doido correndo sem rumo. Metade gente, metade cavalo. Metade desespero, metade aflição. Metade gargalhada, metade dramalhão. Metade incêndio e a outra também. Como posso explicar o tanto que gosto dele? Talvez por tudo que me falte. Porque ele seja sábio, prático, resolutivo. Porque me segure na terra quando me disperso no ar. Talvez porque eu goste quando ele sorri. Talvez porque longe dele estou sempre um pouco sozinha. Meu amigo de touro é todo ética. Respeita as mina. Entende as mina. As mais sacanas, as presumidas santas e as putas assumidas. Gosta delas. Ele só vê gente. Um Bukowski sem medo de ser decente. Ele não fura fila. Não sonega imposto. Não explora o trabalho de ninguém. Não paga propina. Não quer levar vantagem. Cumpre as leis de trânsito. Não recebe troco superfaturado. Ele não dá jeitinho. Ele

POEMINHA SOBRE A AUTOESTIMA DA MULHER BRASILEIRA (OU UM PEDIDO DE DESCULPAS POR EXISTIR)

Julia V. Para minha tia Nádia Sou macumbeira, converso com entidade, venero estátuas, sigo conselhos de pessoas inspiradas por espíritos. Mas meu coração é bom. Sou feminista, pela legalização do aborto. Esquerdista, pelos direitos dos pobres, dos excluídos, das minorias, de toda aquela gente que você acha chata e que atrapalha o teu sono, gosto é delas. Pode acreditar quando digo: minha alma é boa. Sou separada, não tenho marido, faço sexo - quando faço - é só por prazer, porque amar (e ser amada) está difícil. E nem venha me dizer que é porque não sou bonita o suficiente para "prender" um homem, já ouvi muito isso, cansei, mude a playlist. A verdade é a seguinte: apesar de tudo isso, sigo sendo uma pessoa de coração e alma boa.

TIPOS DA MINHA VIDA DOMÉSTICA

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Maria Júlia Saskia era alta, forte, loura, de cabelos cacheados, olhos azuis pálidos e arregalados. Sentada ali no meu sofá ao lado do marido, aparentava timidez e falta de traquejo. Parecia um tipo saído dos quadros de antigamente, mais precisamente, a Imperatriz Leopoldina. Após uma sessão de chá com biscoitos e as perguntas usuais, resolvemos contratá-la como “ajudante”, a palavra aqui usada para as domésticas. Combinamos que ela viria umas horinhas por semana limpar o apartamento e cuidar do meu filho. O meu parco holandês não contribuía para uma comunicação espontânea. Eu não sabia lidar direito com ela, estava me iniciando nos estranhos rituais de outra cultura. Saskia ia e vinha, trabalhava bem, sempre calada e séria, não queria muito contato comigo. De repente, avisou que não queria mais continuar lá em casa. O ambiente não era aconchegante e ela se frustrava com a preferência que meu filho claramente demonstrava ter por mim. Sentia-se simplesmente rejeitada. Foi a

ECLESIASTES PUNK

Julia V Há tempo de se misturar, de se envolver, de estar com o próximo. E há tempo de se recolher, de dizer "até já", de fechar a porta, de sentar sozinha na praça. E de olhar o mar... Há tempo de chorar, de esfolar os olhos, de gritar de dor, de se arrastar pela vida, de sentir o peso. E há tempo de se libertar, de dizer "basta", de jogar os remédios todos fora, de gritar "já foi, já passou, já era". Há tempo de tudo nesta vida. Até de não ter tempo.