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Mostrando postagens de maio, 2015

PELA BOCA

Vaneska M. Eu gosto de gostos. Gosto de comida quente e de verdade. Arroz, feijão, bife e batata frita. Gosto de sopa de inhame com carne seca. Gosto de farofa de ovo. Pão, manteiga e vinho. Ando de braços com Bernard Shaw: não existe amor mais sincero do que aquele pela comida. Nesses tempos de suco verde e tapioca, porém, esse meu amor parece cada vez mais bandido. Eu não tenho arrepios diante de frango grelhado e salada. Eu até gosto bastante de batata doce. Como frutas todos os dias... mas ditadura alimentar não é coisa que me sirva. Podem me prometer um corpo perfeito ou viver até os 115 anos. Podem prometer que vou acordar com disposição para correr uma maratona. Eu não vou abrir mão do chope na sexta, acompanhado da tábua mista do Urich por nada disto. Aliás, mesas de bar são lugares alegres. Meta um patrulheiro alimentar nela e a tornará um lugar lastimável. Perdoem-me as musas fitness; os gurus da alimentação saudável; os amantes do mundo sem glúten e lactose. Iss

ENTRE AS NUVENS

Jurandir de Oliveira -Olha lá Maria, como nosso menino tá parecido com o pai! A mulher parou de limpar o peixe e enxugando as mãos no avental, olhava para o filho de oito anos jogado no chão de cimento, brincando com um caminhãozinho de plástico. A casa atestava simplicidade por donde quer que se olhasse. - É verdade homem! E dirigindo-se ao filho: Jesus! Tu vai ser pedreiro como teu pai?  - Não mãe, não quero! Disse o menino sem desviar a atenção do carrinho. Agora esvaziava o caminhão cheio de pedrinhas no chão da casa. - Então vai ser o que? Diz o pai brincando: engenheiro? Maria, esse borra de tacho saiu mesmo besta! Não quer ser pedreiro como o pai, quer ser bacana o moleque. - Pai, eu quero ser mediqueiro!  João e Maria caíram na risada. - Mediqueiro! Haha Jumento! Se fala : mé-di-co, disse o pai, mé-di-co. Jesus, meio sem graça, ajeitou no nariz os óculos consertados com durex em um dos cantos de uma lente. -Agora fio, vai banhar que a

QUEM SÃO ELES?

Elisa Maria Rodrigues Sharland Dizem que são cinco, mas mesmo poucos, representam o mundo   para os humanos. É através deles que o homem se relaciona com o os objetos que o cercam, com os outros e até consigo mesmo. Apesar de serem também muito úteis e importantes para os seres humanos, existem, comprovadamente em todos os animais. Também quero crer que alguns estão presentes em todos os seres vivos, permitindo que todos desfrutem das sensações, percepções, alegrias, tristezas, e tantos outros sentimentos que nutrimos e construímos ao longo da vida. A compreensão do mundo e de si, talvez seja a tarefa primeira do ser humano neste espaço que que lhe foi concedido habitar durante esta jornada: a vida. E, o que seria do homem sem eles, que os utiliza para perceber e conhecer tudo aquilo que o cerca. Algumas pessoas, por alguma circunstância da vida, podem nascer sem um ou outro, existem algumas que os perdem, um ou mais, ao longo da vida. Também dizem que, à medida que o

DAS ROSAS...,

Maria Júlia  com acompanhamento musical Domingo pródigo de sol e azul celeste. Saio da missa solene na catedral de Barcelona e depois de apreciar a Sadana, uma dança típica da região, saco alguns dinares do caixa automático. Feliz com a alegria da praça e da música, caminho pelo centro com aquele sentimento especial, de descoberta e liberdade, que muitas vezes se apodera dos viajantes. No final de uma ruazinha cheia de lojas, a visão de uma imensa rosa rubra, linda, na mão de uma cigana, me atrai. Após um ligeiro momento de hesitação: o quê, ciganas aqui na Cataluna? Emigradas da Andalucia, sem dúvida!, para lá me dirijo, surpreendida com mais um presente domingueiro. – No quieres llevar? Não, não quero, mas não resisto ao cheiro da flor. É que acabara de ler um estudo identificando os odores em dez categorias diferentes: perfumado, amadeirado, frutado químico, de menta, doce, de pipoca, limão, e dois repulsivos, chamados de acre e apodrecido. Esta devia ser uma

PELE

Eliana Gesteira Tudo havia acontecido muito rápido. Sofia mal conseguia lembrar. Foi durante os dias nublados do inverno de cinco anos atrás, em que ela, de férias, costumava passar horas andando contra o vento, descalça, a areia macia da praia sob os pés. Não percebia, mas um homem a olhava como um gato olha um passarinho. Guloso e paciente. O homem se chamava Ivan e já havia alguns dias que ficava ali sentado, observando ao longe aquela criatura em seu habitat natural. Todos os dias ele vinha na hora do almoço na esperança de lhe falar, maquinando estratégias que pareciam infalíveis. Naquele dia desistiu mais uma vez e levantou-se para voltar ao trabalho, mas antes parou numa banca de jornal para comprar uma revista e ao sair esbarrou sem querer na mulher. Surpreso com o presente do acaso, inventou uma desculpa qualquer para abordá-la: _ “Desculpa, machucou?!” _ “Não, não. Não foi nada.” _ “Ahn...Poderia dizer onde fica a farmácia?” _ “Sim, fica nessa dire

PARA FALAR COM RENAN EM PORTUGUÊS

Julia V Esquecer Renan? Não! O exorcizei. Era tanta gritaria, ficava sem fôlego. É que eu não sabia fazer/ ser diferente. Quebrava tudo, me contorcia. O "an" ecoava por toda a casa, eco do vazio. Ele levou tudo. Fiquei naquela solidão enorme, de frente para o mar, com dois andares, corredores, quartos, sala de jantar, poucos livros espalhados, que eu rasgava; quadros valiosos, que quebrei; cristais e prataria que eu atirava. Ruídos intensos. - Rena an an aaaaan! Os vizinhos foram bater lá em casa. - Querida Vera, podemos ajudá-la de alguma forma? - Chamem a polícia, o hospício, um bandido – dizia, espumando de raiva. A pior coisa que tinha era ver aqueles olhos esbugalhados, sombracelhas arqueadas, preces de misericórdia. Sim, começaram a rezar. Naquela viagem, drogada de tristeza, semi-consciente de dor profunda em corpo e alma, eu ouvia os sussurros das orações. Eram seis vizinhos, mas meu quarto parecia estar cheio de gente. Todos vestidos de branco. Deitad

OLHARES MEIGOS E PROFUNDOS

Angela Fleury Aquela visão nunca mais sairia da minha cabeça.  Uma pequena cidade avermelhada de ruas de terra batida, com construções de argila, de um só andar, sem telhado aparente e com amplas aberturas que me confundiam. Seriam portas ou imensas janelas? Figuras bíblicas caminhavam sem pressa pelas ruas empoeiradas, com suas longas barbas escuras e turbantes que davam mil e cuidadosas voltas. Calças largas, de ganchos enormes, longas batas. Era novembro, fazia frio e todos estavam envoltos em mantas e cachecóis de lã. Eram muitos panos que se sobrepunham em total harmonia estética. Tudo parecia fluir dentro de uma energia leve, primitiva e única. Homens altivos que expressavam orgulho e doçura em seus grandes olhos negros.  Nunca mais iria esquecer aqueles olhares meigos e profundos nas ruas de Herat.  Ao entrar no Afeganistão no ano de 1977 toda a infraestrutura moderna ocidental, que eu conhecia, parecia não existir naquele lugar. Eu e meu mundo ocidental cont