Postagens

Mostrando postagens de maio, 2017

ABSINTO - Um autoengano Apocalíptico

Imagem
Maria Júlia Abreu de Souza (Mini- conto verídico que me foi relatado pela vítima, ou seja, a “autoenganada”).  Tudo começou no mês de abril do ano de 1986 quando ela entrou em casa e deparou com o marido, aos prantos, em frente à televisão. -Um reator nuclear de Chernobil explodiu! Você leu? -Sim, mas também li que a irradiação não deve chegar até aqui! -E daí? Em Chernobil, Ucrânia, mora Tanya.  Esclareceu: Tanya, com ipsilone, uma espiã do KGB, fora seu primeiro- ou segundo - grande amor. Conheceram-se em Moscou, paixão fulminante. É, ele tinha o hábito de se apaixonar por forasteiras... -Sim? E isso aconteceu na fase do primeiro ou do segundo James Bond? Ofendido, ele ficou calado durante dias. Passou semanas fazendo Cooper, bebendo litros de água mineral, clinicando. Épocas desditosas. O marido em crise, a filha na puberdade. Novo país, novo empregador, inúmeras exigências. Ela passou a ler e a refletir muito.  Uma tarde, logo que ele cheg

O BRILHO DA ROSA

Jurandir de Oliveira Foi nosso grande poeta Vinicius de Morais quem melhor definiu o que é um auto engano quando criou aquela famosa frase, carregada de cínico pragmatismo: "Que o amor seja eterno enquanto dure"! Isto porque a única maneira de viver um amor é vivendo-o intensamente, sem pensar que ele pode terminar ao virarmos a primeira esquina. Mas quase nunca perdemos a noção total da realidade, apenas nos deixamos embriagar por uma doce ilusão que, ao final de contas, faz bem para a pele e para a alma. Deliberadamente nos auto enganamos.  Recentemente, quando indaguei sobre a tal mulher que, segundo uns amigos, já havia morrido, me contaram uma história. -Rosa? Ah...Rosa era super legal. Pena que você não a conheceu! Era dessas mulheres alegres que chegam à terceira idade cheias de juventude, animadas, festeiras. Conheceu um rapaz que era bem mais jovem que ela. Os dois pareciam feitos um para o outro, todos percebiam a adoração de Antônio quando estavam junt

MOSCOU -VILA ISABEL: LINHA DIRETA

Texto de Maria Júlia, reescrito por Eliana Gesteira Na Clínica aqui perto de casa, sou atendida pelo doutor Benjamin, um velhinho de cabelos fartos, olhos azuis, sorriso jovial e conversa fácil: - Não, não sou alemão, qual é? Sou judeu russo, cheguei no Rio em 1932 aos seis anos de idade, de Moscou direto para Vila Isabel. Terça de Carnaval. Posso afirmar que o samba me alfabetizou. Entre uma aula e outra, uma namorada e outra, um problema e outro, meu consolo era Noel Rosas. Quando a vida não estava sopa, eu perguntava: “com que roupa?” - É mesmo? - Agora canto no Bipbip, o boteco cult do Posto 5, conhece? Meu ídolo é Noel. Foi ele, homem branco, classe média, que trouxe um refinamento para a música popular, que fez o pessoal aceitar o ritmo tocado pelos malandros da Lapa. Vila Isabel anos 30, terça carnavalesca. Fico pensando nos pais do médico desembarcando no caos e calor da praça Mauá sob o ritmo de Taí. Lá, Stalin. Início da coletivização, revoltas camponesa

HÁ UMA INTERDIÇÃO

Angela Fleury, reescrito por Inez Garcia É preciso encarar o bicho, não vamos controlar tudo, não vai dar. É preciso encarar o desamparo, o terror e entender que a vida que nos cerca é terrível. É preciso encarar o bicho. Estamos desamparados dentro de um barco no meio de um mar revolto. E o pior, somos por dentro um mar revolto. Não há como fixar, estabilizar, estancar, voltar atrás e suspender a viagem. Mas, tudo bem. Não é preciso mesmo dominar as coisas da vida, não é preciso voar até Júpiter, roubar os anéis de Saturno, descobrir outras galáxias, saber de onde viemos e para onde vamos [...] Não temos como negar, há uma interdição.  Não tem como ir além, está escuro, bloqueado, vedado, obstruído. Para, desiste. Vamos ficar por aqui. Melhor será aceitar a grandeza da natureza, admitir a ocultação, admitir o escuro abismo que não iremos decifrar. Não temos como controlar, como dominar, não somos o centro do universo.  Não precisamos mais matar os rios, destruir a

ESSA ESTRANHA MANIA DE SER DOIS

Vaneska Mello, r eescrito por Angela Fleury Das coisas que nos ocupamos entre o nascer e o sucumbir sozinhos está o delírio pelo fim do exílio. Mãos dadas, vidas coladas, desejos, sonhos, simbiose de ideias e de pensamentos, ausência de segredos. Não vivo sem você, sem você nada faz sentido. Parece ser o que buscamos em matéria de afeto. Parece, até percebermos a ausência de nós mesmos na vida a dois que construímos. Sentir que somos dois nos dá a ilusão de que estamos a salvo do desabrigo da alma. Mãos atadas, vidas cerceadas, desejos, sonhos, ideais e pensamentos que não se sabe ao certo de quem são. Ausência de privacidade. De repente, a história de amor consumiu a identidade de dois seres antes completos. Ao faltar o outro, só se é metade de alguém, talvez ninguém. Não é regra geral dos afetos, há pessoas que os vivem de outra forma mais leve. Há indivíduos que conseguem enxergar no objeto de sua afeição, o que ele é - outro ser. Humano, falível, com seus encantos