TEMPESTADES
Elisa Maria Rodrigues Sharland
A natureza tem suas belezas e
encantos, mesmo quando sua expressão violenta representa tormenta para aqueles
que são, por essa expressão, atingidos. Também os seres humanos, em muitas de
suas expressões, se assemelham àquelas da natureza.
Erupções, tempestades, ventanias,
avalanches, terremotos, tsunamis – a natureza em sua linguagem agressiva que
representa um grito de socorro e, ainda que seja chamado, pela ciência, de
“fenômeno da natureza”, é visto como um desastre, uma catástrofe, que assola e
desfigura paisagens e pessoas.
Assim também, nós, em reações
violentas, somos comparados a esses desastres e, as consequências podem ser tão
devastadoras quanto àquelas provocadas pela natureza.
Seria porque ambos – natureza e
humanos – fomos gerados pela mesma energia inicial – o Big Bang, nos assemelhando
assim nesse poder de destruição?
Pensando nisso, Letícia começou a
refletir sobre as suas fúrias incontroláveis, a que era acometida algumas
vezes, quando sentia suas expectativas serem frustradas. Essas reações tempestuosas
a jogavam para lugares e situações que a deixavam em frangalhos depois da tempestade
temperamental.
Pensou nas tantas vezes que sua
voz soava como um trovão, fazendo com que os mais próximos, durante seus
ataques de fúria, estremecessem.
Por que agia assim? Logo ela que
sabia apreciar, como poucos, uma bela tempestade, com a fúria e a beleza dos
raios e trovões, as chuvas avassaladoras que mexiam o mar, deixando-o
tormentoso, violento, barulhento, mas acima de tudo, belo e cheio de expressão.
Lembrou-se então que nada a fazia
mais feliz do que ver a fúria do mar, em suas ressacas, com ondas enormes,
altas e fortes, espumando sua raiva porque quebrava na praia, durante e logo após
as tempestades.
Recordou-se também que sua mãe
sempre contava sobre o dia de seus nascimento: em uma noite de tempestade, em
plena “águas de março”, e ficava
imaginando toda a magia e medo que isso tudo provocava.
Nesse emaranhado de pensamentos
contraditórios e emoções que oscilavam do encantamento ao pavor, ficou
lembrando da alegria infantil que sentia com os clarões dos relâmpagos seguidos
pelos roncos dos trovões, ao que brincava com seu irmão: ‘é dia de arrumação no
céu’, porque todo aquele barulho, que vinha do céu, significava que São Pedro
estava arrastando os móveis...
Entre essas lembranças e os
sentimentos que tinha pelas tempestades, as da natureza e as próprias, sentiu
em seu rosto o doce vento que surgiu após a tempestade daquela tarde, que
acabara de cair sobre a cidade.
Com esses pensamentos e
reflexões, caminhou um pouco ao longo da rua, agora que a chuva já havia
parado, prestando atenção aos sinais deixados pela tempestade: folhas caídas,
poças d’água que iam parar na roupa dos transeuntes jogadas pelos motoristas
menos atentos, o chão umedecido cheio de lixo que tinha sido carregado pela
enchente, galhos retorcidos e outros quebrados no chão, jogados pelos ventos
furiosos, tudo tão diferente do cenário habitual...
Também pensou sobre suas emoções
depois de suas tempestades: cansaço, tristeza, às vezes arrependimento pelo que
falara sem pensar, olhos vermelhos e dores de cabeça, depois do choro
convulsivo a que era acometida depois de suas ventanias, e a vergonha pelo
destempero, tão diferente do que era rotineiramente...
E, seguindo com seus pensamentos,
percebeu que, no fundo, gostava das sensações após as tempestades, o vento,
agora mais suave, lambendo seu rosto, as árvores se mexendo como se
agradecessem pela água, as ruas lavadas, o cheiro de terra molhada, a alegria
das plantas, com suas folhas risonhas sorvendo o alimento que acabara de lhes
ser oferecido, os pássaros saindo de seus abrigos, com um canto especial.
Parecia que tudo em volta ganhava cores mais vivas, vibrando pela esperança de
vida nova. Ela ganhava um novo sorriso, mais largo e aberto.
Também ela, após suas
tempestades, sentia um brilho de renovação em sua vida, com mais força e
coragem para lutar pelos seus desejos, com fibra e determinação, na busca pelo
seu espaço, sua alma tornava-se maior, com a certeza de que suas tempestades
geravam uma grande onda para conduzi-la ao seu coração, pulsante por uma vida mais
plena de significado.
Agora fazia sentido tudo aquilo
que acontece após as tempestades: os pássaros voltam a cantar, embalados por
suas asas num voo libertador; as nuvens, ainda que um pouco atordoadas pelos
ventos que as açoitaram, fazendo-as chorar suas angústias e sentimentos mais
profundos, apresentavam seus contornos remodelados, desfazendo-se no céu,
transformando-se em plumas, até desaparecerem, para deixa-lo retornar ao seu
azul; o sol, iluminando a terra, com seus raios que vão encontrando frestas
para se mostrarem ao mundo, anunciando um novo tempo, mais ameno, mais
brilhante, mais promissor, para que se reconstrua um novo cenário, deixando
florescer o que há de melhor em cada lugar e em cada um.
Letícia sabia que, embora as
tempestades sejam perigosas, elas também são necessárias: transformam,
transmutam, colocam algumas coisas no lugar, de onde não deviam ter saído, ou
expulsam outras que haviam se aninhado em um lugar que não lhes pertenciam.
Ainda que danifiquem, em algum
grau, algo que não deveriam, certamente, após as tempestades, natureza e
pessoas, se renovam, se reconstroem, renascem, deixando a vida seguir um novo
fluxo, até a próxima tempestade...
Um texto seu mais solto. Gostei! Só faria algo que também preciso fazer nos meus, cortar os excessos. Mas aqui na Roda é difícil fazer isso (pelo menos para mim). É que mal o texto sai do forno a gente publica.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMaria Júlia
ResponderExcluirGostei muito da sua abordagem: das tempestades em copo dágua que nós, pobres mortais, armamos à nossa volta, dos danos que causam, e e da renovação do fluxo da vida.
Embora talvez o texto seja um pouco mais longo do que o necessário, conforme alertou a Eliana, sua delicada organização em vários parágrafos torna a leitura prazerosa (tenho apego a parágrafos rs).
ResponderExcluirMuito bacana a forma como foi abordando as tempestades reais e metafóricas de forma não estanque, costurando os elementos. Gostei muito!
Vaneska
Gostei muito do seu texto, Elisa. Poético e de bom tamanho. A poesia é assim mesmo, tem babados e frufrus que dão charme ao conteúdo.
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