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Mostrando postagens de agosto, 2017

OS PRIMEIROS MINUTOS

            Angela Fleury Talvez seja a hora mais difícil, uma incrível mistura de sentimentos indefinidos. Um momento de passagem de um mundo para o outro, que vai de uma misteriosa imprecisão, passando aos poucos para uma nebulosa penumbra até que se descortina em uma luz clara a qual os olhos nem sempre conseguem suportar. Tudo se passa em câmera lenta, reina um desconhecimento, uma desconfiança do que possa ou não vir a ser. Um tatear, como se eu estivesse entrando em um quarto escuro ou, ao contrário, saindo desconfiadamente na direção de uma forte luz. Cenários que vêm e fogem da mente, imagens desconexas que escapam e que insistem em reaparecer que se misturam e se embaralham que são turvas, que se ocultam e se mostram sem que eu tenha o tempo para lhes dar um sentido.  Estou em pleno espaço entre, nem de um lado nem do outro, em pleno transcurso. Aos poucos, bem aos poucos, mas ainda de maneira desconcertada sinto que vou saindo de um lado e entrando no outro, apes

A PRIMEIRA VEZ DE ANGÉLICA

Eliana Gesteira “...a imaginação só se aquece quando desprezamos os preconceitos” “Todas as fantasias se encontram na natureza. Criando os homens, ela fez o gosto de cada um tão diverso quanto o rosto”. (Marquês de Sade) Angélica não parecia andar. Flutuava. Seus pés batiam de leve o chão e faziam um barulho, toc toc toc toc, como se marcassem o compasso do coração. O dia estava nascendo e ipês roxos enchiam de buquês a calçada. Uma brisa fresca acariciava a penugem fina de seu braço, prolongando na pele a sensação vivida entre lençóis de seda por toda a madrugada. Aquela noite havia começado na boate “La Petite Chatte” por sugestão do namorado, que pediu de presente uma ménage à trois, especialidade da casa. Tal pedido fez Angélica reagir, a princípio, com desconfiança ao pensar que ficaria no papel de voyeur, caso Leonardo se interessasse mais pela convidada do que por ela; mas também com um certo frisson logo que se imaginou personagem de experiência tão ousada. Após algumas d

A PRIMEIRA VEZ DE UMA PORÇÃO DE COISAS NUM SÓ DIA

Maria Júlia No meu colo está o envelope que eu devo entregar à aeromoça no decorrer do longo percurso de quase 2000 km, com uma carta informando-a de que tenho direito a um lanche durante o voo. Meio sem jeito, entrego-lhe o envelope que ela abre, lê, e com um ”thank you”, põe o papel no bolso do avental da American Airlines, desaparece da minha vista, e possivelmente, do avião. O recomendado lanche por abaixo-assinado simplesmente não vem. Numa tentativa de comunicação, resolvo testar meu inglês e pergunto as horas ao meu vizinho. Grande decepção! Constato que meus anos de Instituto Brasil-Estados Unidos, ainda não me permitem entender o seu palavreado ininteligível, mas quem sabe, talvez tudo seja efeito dos fusos horários dele, do avião, da minha pessoa. Com meus 17 anos, estou desafiando a minha insegurança e timidez, me aventurando sozinha por este estranho trajeto. É minha longa marcha para o Oeste na aeronave que me conduz do Rio para New York e depois, para a terra d

A PRIMEIRA VEZ QUE EU VI O MAR

Vaneska M. A primeira vez que eu vi o mar, possivelmente não era a primeira vez. Mas não importa se era a terceira ou quarta, ou se era sexta feira.  Lembro que o mar apareceu após uma curva - e o mundo todo desligou: o maldito rádio do carro que tocava umas músicas que me davam vontade de chorar, o barulho da criançada, os resmungos do meu pai, o mau humor da minha mãe. Todos emudecidos pelo mar, pelo mar que não tinha fim. Passado o deslumbramento, procurei entender por que não parávamos logo ali e descíamos o morro para tomar banho de mar. Foi aí que meu pai explicou que aquele ainda não era o mar em que criança podia tomar banho. É que existia um outro mar, que era chamado “lagoa”, diferente daquele, que tinha ondas.  Minha cabeça, livre como só a das crianças são, começou a ilustrar toda aquela explanação acerca do mar. Eram mares enfileirados, uns que eu só podia ver e outro em que eu poderia nadar. Que grande piada, eu nunca aprendi a nadar! A partir daí, o

MEU PRIMEIRO BICHANO

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Mônica Lobo Pé de coelho Virada de bailarino Coça, morde, lambe Limpa, limpa, limpa Sossega sentado Rabo em curva Feito adorno felpudo Imperador da casa Peixe no aquário Tv à gato, Pimbol, Sopa delícia, Vigília incansável! Vem de surpresa Pula no colo Ronrona, ronrona Flofa, flofa Pisca pra mim Gato de botas Solarata no telhado Canto do muro Choro cantado Pula a janela Se roça, se enrosca Reclama, reclama Quer tudo de mim Bacalhau, atum O bicho enlouquece Me segue, me pede Mia alto, rodopia Sirene de gaita de fole Fofura, fartura, ternura Meu floquinho de algodão Que faz flofe, flofe, flofe Feito massa de fazer pão Ah, a vida e suas travessuras Quem diria que um dia Eu diria com certeza Que tamanha é a beleza Do meu amor por esse ser Primeiro amor... Que cresce, cresce Tanto, tanto Que sou incapaz De não amar todos os outros