A VIÚVA
Maria Júlia
Era uma vez...
Madame B. era uma senhora de origem alemã, viúva de um diplomata. Morava no bairro nobre da cidade, numa imensa casa antiga, de tetos altos, mobília clássica. Alugava quartos para estudantes e foi assim que se conheceram. Da parte dela, foi amor à primeira vista, como gostava de repetir. No caso dele, foi o faro agudíssimo para a causa maior. Ele era bem falante, dono de um humor irônico e mordaz, boa aparência, sabia agradar as pessoas quando queria, e possuía uma tenacidade cansativa, a paciência de Jó para perseguir seus desejos. Madame B. era sozinha, vivia de mal com a família que “só queria o seu dinheiro”, e, com o seu morno calor alemão, acolheu o estudante pobre e isolado. Família ele não tinha, amores, tampouco, apenas alguns amigos e uma vida social centrada nas atividades estudantis. Ajudava Madame B. em algumas tarefas, conversavam sobre filosofia de salão e arte, sobretudo, Matisse, Chagal, e outros, os pintores que ela tinha nas paredes.: Ele também a apoiava na difícil comunicação com os filhos e parentes, ouvia suas queixas, opinava, fazia um trabalho que exigia obstinação, paciência, e cálculo. Quando precisou de dinheiro para comprar o seu primeiro apartamento, ela emprestou, sem lhe cobrar juros. 50 mil era na época, uma boa quantia.
Quando, de repente, ele lhe apresentou um novo amor, alguém que de repente apareceu em sua vida, Madame B. teve um forte crise de ciúmes, e escreveu-lhe uma carta chorosa, advertindo-o sobre os perigos de laços afetivos impensados. Mas continuou a convocá-lo para sessões de aconselhamento sobre a família. Ele a visitava e sempre voltava com um saboroso bolo de passas ou um divino apfelstruddel feito pela senhora. Um dia chegou em casa com uma prenda especial, um pequeno quadro da única pintora impressionista que tinha sido reconhecida em sua época.
Madame B. tinha um neto, um rapaz quieto e complicado, de difícil convivência. Portanto, as intervenções voluntárias do futuro médico se fizeram ainda mais urgentes e ele continuava a ir e vir em seu socorro, ouvindo, mediando,opinando. Um dia, chegou em casa muito feliz:
Madame B. queimou o papel da minha dívida do apartamento, não quer que os filhos venham me cobrar quando morrer!” Mas, de vez em quando, reclamava: “ Bem que ela podia ter me dado um Matisse, esse aí vale muito menos!
Depois da grande tragédia - o neto caiu em um despenhadeiro quando escalava uma montanha- Madame B. entrou em rápido processo de deterioração física e mental, acabando por ser removida para uma casa de idosos. Ele jamais foi lhe fazer uma só visita.
A viúva triste, exigente, ciumenta e generosa, morreu só, abandonada.
A tal pintora impressionista, contudo,após uma grande exposição realizada em Nova York, passou a ficar famosa e cobiçada.
E assim caminha a humanidade...
Puxa, tem matéria aí para um romance inteiro/ eu queria mais/
ResponderExcluirpelo menos um conto, vai?/
bj/ Lidia (liacora)
Crime e castigo com uma pitada de comédia. Humano, demasiado humano.
ResponderExcluirConcordo com a Lídia: eu também queria muito mais! Os personagens delicada e finamente construídos ainda têm muito a oferecer!
ResponderExcluirVaneska