TALVEZ O ÚLTIMO DESEJO II

Exercício coletivo da Roda - Raquel de Queiroz

"Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano 1950 (...). Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente no mormaço.”

Acordar sob os pequenos açoites dos pingos da chuva vespertina. Respirar profundo o cheiro da terra molhando, que sempre foi cheiro de contentamento. Não me importar com o penteado que escorre. Correr louca e negligentemente a procura de um abrigo de que não preciso. (Vaneska)

Tudo isso que a primeira vista pode parecer tão simples, não faz ideia o luxo que hoje significa para mim. Dias atrás, sentada num banco do Central Park, olhando aquelas árvores tão tristes e invernal estão desprovidas do vivo verde das folhas, o céu de um azul tão frio quase prateado e o perfil dos edifícios ao longe, tudo de uma beleza tão etérea e melancólica, não pude deixar de pensar na exuberância da minha terra, na opulência das cores, no intenso dos sabores, onde nada é pouco, ao contrário, tudo é desmedido, até o amor, os sorrisos e os abraços. (Jurandir).

Como em um sonho, voltei para o rio da minha infância, tudo era familiar... A chuva torrencial de verão balançava a pequena canoa, mas eu não sentia medo, estava segura, estava em casa, reconhecia tudo, o cheiro da floresta molhada, os diferentes verdes das folhas, o céu assustadoramente nublado pronto para um novo temporal, o barulho incessante dos peixes batendo no rio, a revoada dos patos... Encharcada, eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Eu tinha voltado pra casa. (Angela Fleury).

A estação estava cheia de gente. O feriado era, sem dúvida, o responsável pela grande movimentação naquela manhã ensolarada de sábado. Para a minha grande surpresa, olhei pela janela do trem e la estava ele. Com seu semblante elegante mas jovial, os primeiros fios grisalhos na cabeça erguida, e um leve sorriso nos lábios, como se nada tivesse acontecido. Quando desci do vagão nossos olhares se cruzaram e neste exato momento a sensação de certeza que há tanto tempo fugira de mim inundou meu coração de esperança. (Angela Mendonça).

Eu vestia uma calça estilo "pin up" e notei uma sombra de censura no seu olhar. Foi quando tive a certeza libertadora de que não queria aquela vida de volta. Meu espírito resgatado daquela eterna dúvida, cintilava. Decidi não aceitar seus préstimos, não por medo de baquear, que fique claro, mas para encerrar ali mesmo aquele relacionamento infrutífero. Peguei um táxi bolorento, como eram os daquela estação de trem e ...senti uma vontade enorme de tomar uma gemada quente, quando chegasse em casa!(Liacora Oliveira).

Revigorada, reconfortada, após a decisão tomada, decidi que uma nova vida construiria, sem saudades e sem melancolia, mas com a certeza de que os trens, os táxis, as chuvas, os prédios, as cidades, – estrangeiras ou da minha terra natal –, as desilusões e amores, todos ajudaram a construir quem eu sou agora e, agradeço por ter tomado a decisão: embora com alguma dor e destemor, estou preparada para encontrar um novo amor! (Elisa Sharland).

Agora, sem amores, tento ouvir uma jovem que me interroga com admiração. Fujo de seu olhar e volto a observar os rodopios de fumaça no ar, mas o silêncio entre nós sugere uma intimidade que não preciso. Bato as cinzas na beira da mesa e respondo suas perguntas pensando em meu cansaço e nos leitores do caderno B, ou em ambos, o que dá na mesma. A cena bucólica descrita naquele momento eram, na verdade, devaneios que surgiam sempre que me via entre as cobranças de um novo romance e a obrigação de escrever minhas crônicas semanais. Como explicar àquela jovem jornalista que escrever não era para mim um prazer, mas sim um tormento? (Eliana Gesteira).

Todos sempre me disseram que minha profissão era incrível e que eu deveria ser muito feliz por ser escritora, por fazer algo que muitos queriam e poucos conseguiam. Essa idealização, mistificação, essa encheção de saco... Procurei permanecer calma. Ou parecer, pelo menos. E aí sim respondi a primeira pergunta da moça, aquela que eu estava fugindo: "Bem, minha jovem, vamos lá, o meu maior desejo para 1950 é simplesmente não ter um amor. Ou melhor, um só amor, ou uma paixão sexualizada, entende? Daquelas que te tiram do sério, que fazem o chão afundar e te dão taquicardia... Paixão e amor sempre teremos, não tem jeito. Só não quero que seja intensa". "Mas justo você, que é tão passional...E você acha que vai conseguir", ela perguntou atônita. “Bem, vou tentar”.(Julia V.).

Refleti sobre a melhor maneira de colocar em palavras os pensamentos. Lembrei de frases inspiradoras que poderiam ajudar. A vida é um desafio permanente. Cada um de nós escreve o roteiro da própria existência, dando-lhe um sentido, nas fatalidades e acasos. Não temos controle total sobre as emoções, mas fazemos escolhas. Escolhi ser escritora porque precisava partilhar meus pensamentos com outras pessoas, porque as palavras queriam brotar do papel, sem pedir licença, pela simples razão de existirem. Assim como a paixão e o amor que não pedem licença para entrar. (Sonia Andrade)

Pois então, minha jovem, depois desta esta matéria que eu lhe dou de bandeja, nada mais é preciso acrescentar. Falei mais do que pretendia ou devia, fugi ao tema que havia proposto, nem sempre fui coerente, contei episódios da minha vida totalmente irrelevantes para os leitores, enfrentei chuvas torrenciais, rios transbordantes, descrevi excessivamente minhas paisagens, entrei no Central Park e mais tarde, meio a esmo, até em um trem onde, vestindo uma calças de estilo pin up, encontrei um amor achado e perdido. Falei sobre a idealização que fazem desta profissão, e, inadvertidamente, até sobre paixão sexualizada. É que após as desventuras da minha valorosa Maria Moura, me afastei para sempre do tema. Os leitores hão de compreender. O fato é que, no embalo daquela rede com mormaço e nos enredos de Noel a sua pergunta me levou para longe, muito longe... Portanto, em troca do tempo que lhe dispensei e das confidências que fiz, autorizadas à publicação, proponho que você refaça, isto é, reformule a matéria, sempre dentro da coerência e coesão exigidas, lendo, relendo e revendo o que foi escrito no parágrafo anterior. Lembre-se: escrever é preciso. Agora, deixe-me, por favor, terminar “O cadáver atrás do biombo” desta grande dama inglesa e quando sair, pode desligar a vitrola. (M.Júlia)

Comentários

  1. Que delícia de exercício! E esse desejo da Rachel de Queiroz é tudo de bom! No final, "pode desligar a vitrola". Adorei. Bjs, Julia V.

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  2. Muito bom, Julia/saiu-se muito bem no desafio (grande) de fechar o texto Então iremos reescrever nossa parte no texto, de forma que não se note as emendas?/ entendi certo?/ bj/ Liacora Lidia

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  3. Pessoalmente, achei o exercício um bom desafio, uma forma da sairmos da rotina e de só escrever com temas, etc. Às vezes, faltou coerência entre os parágrafos, acho que ainda não sabíamos direito o que era esperado, ficou meio vago. Sem problemas. Valeu a tentativa, vamos continuar experimentando. Quando a maioria tiver opinado, estou pensando eme partir para uma reformulação dos parágrafos, podemos fazer outros, até contar uma historinha, para remendar tudo e produzir um texto coeso. A gente explica mais tarde. Resumindo e concluindo, gostei. M. Júlia

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  4. Muito bom o desafio! Gostei do exercício. Parabéns para todos!
    Angela Buonomo Mendonça

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  5. Tenho dificuldades nesse tipo de escrita, não entendo bem o exercício, mas acabou que no final a Julia soube muito bem fechar e amarrar as incoerências e os devaneios... Parabéns Julia, fechou maravilhosamente.

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  6. Como a Ângela, senti um pouco de dificuldade, mas depois que entrei na onda gostei bastante do desafio. Sobre a personagem,também acho que precisaria de mais algumas linhas para ganhar um esqueleto que contemple sua diversidade.

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  7. Pessoalmente acho que teria sido mais interessante se todos tivessem entendido a "deixa" do escrivinhador anterior e desenvolvido seu parágrafo a partir daí. Se eu termino por exemplo com "caiu da arvore e quebrou o pé" não tem sentido que o proximo paragráfo comece com "estava na Colombo tomando chá" porque a proposta não era escrever um conto surrealista.
    Poderia ser algo como " tendo que ficar em casa sem poder sair por causa da fatidica caída, resolveu começar a escrever seu proximo romance, que se chamou "Delirio Tropical" (lol)A graça a meu ver é que nao se encerre uma idéia em cada paragráfo pois seria chato e sem sentido, para isso cada um escreveria um paragrafo independente sobre um texto escolhido, sem a necessidade da continuidade, o desafio é trabalhar em equipe . Mas foi bom , e com certeza o proximo vai ser melhor!

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  8. CONCORDO PLENAMENTE CONTIGO,ESTA ERA A PROPOSTA, ACHO QUE NÃO FUI CLARA. gOSTEI DO "dELÍRIO tROPICAL"QUE ALIÁS,É UMA ÓTIMA DICA PARA ALMOÇO!
    M.jULIA

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  9. Esqueci de comentar que gostei muito da sua finalização...Estou na expectativa , curioso sobre o proximo tema!

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  10. Muito bom, M. Julia, como você conseguiu arrematar o texto, ao mesmo tempo fazendo críticas (positivas) ao que tinha sido feito até ali. Tentei seguir uma ideia exposta pela personagem Raquel de Queiroz em parágrafos anteriores, talvez não tenha ficado claro. Vamos tentar melhorar da próxima vez. Valeu Roda.

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  11. Esqueci de dizer que o Memorial de Maria Moura foi escrito em 1992 e a entrevista dessa história foi na virada para 1950. Você fechou bem o ultimo parágrafo, mas foi um tanto futurista. Não tem importância, ficou engraçado.
    No próximo trabalho acho que podíamos um escolher uma história que contenha ação, para ficar mais fácil dar continuidade entre os parágrafos.

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