DONA ROSALVA
Eliana Gesteira
Era uma mulher baixa, gordinha e
também muito ágil. Seu nome surge de um mundo longínquo, onde
havia muitas tarefas a cumprir e também horários rígidos para
rotinas como comer, tomar banho e dormir. Da lembrança surgida,
tento dar um desconto aos traumas que se fixaram em mim como uma
tatuagem da qual só comecei a aceitar à medida que os anos se
distanciavam e a marca se tornava indelével.
Falo de minha professora do primário,
Dona Rosalva.
Naquele tempo de castigos, reprimendas
e decorebas, Dona Rosalva era soberana. Sua didática consistia nas
leituras silenciosas, na tabuada mil vezes repetida e na conjugação
de verbos cantada em uníssono na sala. Se por descuido algum aluno
ousasse desafiar sua autoridade, era “convidado” a ficar com a
cara colada no quadro negro ou a andar sozinho de um lado para outro
repetindo trechos da lição perdida. Ao final da manhã de aula, a
nossa saída se condicionava à resposta correta da arguição diária
sobre multiplicações ou verbos, que cada um deveria responder de pé
e em voz alta.
Naqueles tempos soturnos, que eu nem
desconfiava existir, a ordem e o silêncio eram impostos ao país por
um general presidente, todo sorrisos, que costumava se deixar
fotografar e filmar vestindo a camisa do Flamengo ao lado de
torcedores no Maracanã. Nesse cenário, Dona Rosalva era só uma
mulher miúda e inflexível que tentava formar cidadãos obedientes,
como lhe mandava o figurino.
A alguns, como eu, criança moldada
para aquele tipo de escola, conseguiu impor a crença no trinfo pelo
esforço, que me fizeram absorver com dedicação os conteúdos que
ensinava, deixando de quebra um senso de respeito e dever canino, do
qual não me orgulho nem um pouco. Mas embora tenha marcado minha
infância com o medo, não posso renegar a herança de Dona Rosalva,
já que ela acabou se transformando numa importante ajuda para a
garantia de meu lugar ao sol.
Ademais, em casa, a vida corria de
outra maneira. Tinha a rua, a liberdade de correr à vontade e a TV,
que só servia na época para ver National Kid, em razão da escassez
da programação.
Essa vida, que me chega agora de
longe, costumava vê-la dos galhos da goiabeira de nosso quintal. O
gato dormindo preguiçoso na sombra, o cachorro tentando pegar uma
mosca e o ar tomado pelo cheiro delicioso da comida de minha mãe.
Acho que era uma vida boa, afinal.
Muito bom Eliane. Também tive uman professora primária que
ResponderExcluirera meio sádica e acabou sendo expulsa da escola. Gostei particularmente do último parágrafo e da rua vista dos galhos da goiabeira. Poético!
Muito bom Eliane. Também tive uman professora primária que
ResponderExcluirera meio sádica e acabou sendo expulsa da escola. Gostei particularmente do último parágrafo e da rua vista dos galhos da goiabeira. Poético!
Um galho de goibeira também já foi, um dia, meu lugar predileto no mundo. Texto muito gostoso, entremeando descrição e pitadas de reflexão.
ResponderExcluirVaneska