ESSA ESTRANHA MANIA DE SER DOIS

Vaneska Mello, reescrito por Angela Fleury

Das coisas que nos ocupamos entre o nascer e o sucumbir sozinhos está o delírio pelo fim do exílio.

Mãos dadas, vidas coladas, desejos, sonhos, simbiose de ideias e de pensamentos, ausência de segredos. Não vivo sem você, sem você nada faz sentido. Parece ser o que buscamos em matéria de afeto. Parece, até percebermos a ausência de nós mesmos na vida a dois que construímos. Sentir que somos dois nos dá a ilusão de que estamos a salvo do desabrigo da alma.

Mãos atadas, vidas cerceadas, desejos, sonhos, ideais e pensamentos que não se sabe ao certo de quem são. Ausência de privacidade. De repente, a história de amor consumiu a identidade de dois seres antes completos. Ao faltar o outro, só se é metade de alguém, talvez ninguém.

Não é regra geral dos afetos, há pessoas que os vivem de outra forma mais leve. Há indivíduos que conseguem enxergar no objeto de sua afeição, o que ele é - outro ser. Humano, falível, com seus encantos e pecados, suas alegrias e dissabores, mas outro. Esse outro é celebrado no que lhe há de distinto, não imagem refletida em espelho.

Construir relações de uma ou de outra forma talvez não seja uma simples escolha. É certo que nos vendem barato uma delas como opção preferencial. Ela é alardeada, cantada, imposta. Somos coagidos a buscar relações em que a tônica seja a simbiose, a mistura, a indistinção, o aniquilamento do ser individual. Esse seria o tipo de relação sem a qual se é um fracasso afetivo.

É natural querermos estar a dois, mas a fusão só deveria ser relevada nas altas temperaturas da forja da paixão e no curto espaço de tempo que ela pode durar. 

Depois, que sejamos dois - lado a lado, nunca em sobreposição. Vivendo a profundidade possível dos afetos mornos, como seres íntegros, que se enternecem com divergências e se alimentam mutuamente de suas graças.

Parceiros que oferecem asas, que abrem portas pelas quais às vezes não podem passar. 

Que sabem fazer silêncio, que seguirão sós, mas escoltados em seus desamparos.


Texto original de Vaneska Mello.


Das coisas que mais nos ocupamos entre o nascer e o sucumbir sozinhos, está o delírio pelo fim de nosso exílio.

Mãos dadas, vidas coladas. Desejos e sonhos comuns. Simbiose de ideias e pensamentos. Ausência de segredos. Eu não vivo sem você. Sem você nada faz sentido. E o poetinha ainda canta baixinho: “sem você meu amor eu não sou ninguém”. Isso parece ser tudo que buscamos em matéria de afeto. Parece, até percebermos a ausência de nós mesmos na vida a dois que construímos. Sentir que somos dois nos dá a ilusão de que estamos a salvo do desabrigo da alma.

Mãos atadas, vidas cerceadas. Desejos, sonhos, ideais e pensamentos que não se sabe ao certo de quem são. Ausência de privacidade. De repente a história de amor consumiu a identidade de dois seres antes completos. Ao faltar o outro só se é metade de alguém. Talvez ninguém.

Não é uma regra geral dos afetos. Há pessoas que os vivem de outra forma, mais leve e plena. Há indivíduos que conseguem enxergar no objeto de sua afeição, exatamente o que ele é - outro ser. Humano, falível, com seus encantos e pecados muitos, suas alegrias e dissabores, mas outro. Esse outro é celebrado no que lhe há de distinto. Ele não é imagem refletida em espelho.

Construir relações de uma ou de outra forma talvez não seja uma simples escolha. É certo que nos vendem barato uma delas como opção preferencial. Ela é alardeada, cantada, imposta. Somos coagidos a buscar relações em que a tônica seja a simbiose, a mistura, a indistinção, o aniquilamento do ser individual. Esse seria o tipo de relação sem a qual se é um fracasso afetivo.

É natural querermos estar a dois (a três ou a qualquer número que o valha). Mas a fusão só deveria ser condicionalmente relevada nas altas temperaturas da forja da paixão, e no curto espaço de tempo que ela pode durar. 

Depois, que sejamos dois - lado a lado. Nunca em sobreposição. Vivendo a profundidade possível dos afetos mornos. Como seres íntegros. Que se enternecem com as divergências e se alimentam mutuamente de suas graças.

Parceiros que oferecem asas. Que abrem portas pelas quais às vezes não podem passar. Que sabem fazer silêncio. Parceiros que seguirão sós, mas escoltados em seus desamparos.

*Samba em prelúdio, Baden Powell & Vinicius de Moraes

Comentários

  1. Aqui se trata do terceiro exercício: refletir sobre os cortes realizados em nosso texto. A Ângela mexeu extamente num ponto que já vinha me incomodando, a pontuação excessiva. Acho que ao eliminar muitos de meus pontos finais, o texto ficou mais fluído e simpático. Houve também degola de minha citação poética - nesse caso eu talvez esperneasse um pouco rs. Mas entendo que na necessidade do corte é uma ótima opção.
    Vaneska

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