SOU PARAENSE, SOU PAPA-CHIBÉ

Jerusa Nina

Quando desço do avião em Belém, um forte sentimento que me aflora a alma assim que bato os olhos nos anúncios dos pontos turísticos é: “estou em casa”.

Não que o Rio de Janeiro também não seja meu lar. Depois de tantos anos até poderia parecer ingratidão com a cidade maravilhosa, a qual amo de paixão. 

Acontece que quando chego ao aeroporto da cidade onde nasci e fui criada, tenho a mesma sensação que muitos de nós nutrimos pela casa de nossos pais depois que casamos. Aquele saudosismo que nos dá a certeza de que sempre seremos bem-vindos.

Como todo paraense que vive fora do Pará, morro de saudade da minha comida regional. Sinto falta de degustar um Tacacá bem quente às cinco da tarde, de tomar um açaí com farinha de tapioca logo depois do almoço e de dormir na rede, para completar.

Sinto saudade da maniçoba, do caruru, do vatapá, dos variados sorvetes da Cairu e da pupunha melada na manteiga comida quente com o café com leite da tarde. Não precisa de pão.

E vou além, se fecho os olhos já faço uma lista de todas as maravilhas. Sentir o cheiro da chuva das 15 horas, molhando o asfalto fervente, abrindo alas para o vento da Bahia do Guajará. E ver as garças voando do Mangal para a Praça Batista Campos, passando a poucos metros de nossas janelas em prédios arranha-céu. E todo este espetáculo sob o por do sol maravilhoso em seu tom vermelho amarelado.

Até poderia parar por aí, mas como não mencionar os vários túneis de mangueiras centenárias que ladeiam as ruas, dando brilho aos casarões antigos da época áurea da borracha? Como se não bastasse, essas mesmas árvores nos premiam com seus frutos, precipitando suas sortes sobre nossas cabeças. Como catei manga na volta da escola, para comer com farinha d’água em casa...

Belém, a cidade que conta com seu vocabulário próprio, do “égua; te mete, mano; pior que é; vai nessa; tá, cheiroso; só porque tu queres; eras; tu alopras; olha já” e de tantas outras expressões que só quem é da terra vai saber dar a entonação correta nesta leitura. E fico triste por eu mesma já não ter o sotaque genuíno, involuntariamente perdido no meu falar.

Só tem lá, o pastel folheado crocante e quentinho, em forma de triângulo e com generoso recheio de queijo. Só lá, tomei refrigerante em saquinho com canudinho, para que o vendedor cauteloso não tivesse a garrafa de vidro quebrada nas décadas de 80 e 90. E, agora, mais ainda, só lá, vi abacatada (vitamina de abacate) ser vendida em aquários no ver-o-peso. Aquário mesmo, daqueles de vidro que se criam peixes em casa.

Docinho de uva, com a própria fruta envolvida em um creme verde com açúcar que me leva as moedas embora. Casadinho, a parte preta e a parte branca. Sempre refleti sobre quem seria o marido, quem seria a mulher. Monteiro Lopes, banhado com Nescau em uma camada doce de trigo assado. Se eu fechar os olhos, consigo sentir o sabor de todos eles. 

E para trazer no corpo a marca da minha origem, para sobreviver a mais um momento de distância, sempre compro os perfumes, cujas fórmulas me são conterrâneas. A fábrica nem é mais a mesma. Até os nomes dos perfumes mudaram, mas teimo em procurar (e sempre encontro) pelo Matinal e pelo Naturele da antiga Phebo, porque eles me trazem um elo forte da infância: minha bisavó.

Quando estou em Belém, como de tudo, cheiro de tudo e vejo de tudo. E quando venho embora, fico com a alma repleta de vontade de logo voltar.

Sou paraense, sou papa-chibé.

Comentários

  1. Jerusa, adorei o seu texto. Até me deu vontade de ir correndo agora pro Aeroporto e pegar o primeiro avião pra Belém que eu ainda não conheço. O que eu li é melhor do que qualquer propaganda de turismo do Para

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Concordo com a Sonia, melhor do que quaquer propaganda. Cheio de cores,odores,sabores. Gosto do "tu" paraense que não se "corrompeu" como o dos gaúchos. Belo texto, deu mesmo vontade de ir até lá correndo!
    Maria Júlia

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    1. Verdade, o "tu" bem empregado é um orgulho para o povo. :-)

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  4. Lindo texto cheio de sinceridade e naturalidade. Mostrei o texto a uma amiga de Belém que vive a anos aqui no Panamá , a Regina, e ela me agradeceu emocionada, pelas lindas lembranças que o texto lhe proporcionou.
    Lembrava de tudo. Até da chuva das tres da tarde. Mencionou uma sorveteria que ao parecer já nem existe mais, a Tip Top. Transmito o agradecimento da minha amiga Regina a você Jerusa!

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    1. Nossa!!!
      Diga à Regina, que tenho muitas lembranças da Tip Top, com seu sorvete gigante na frente da loja. Era o lugar que minha mãe me levava de tarde, depois do passeio na Praça Batista Campos, antes de meus pais se separarem, quando eu tinha 5 anos... Quem me emocionou agora foi sua amiga...
      Muito obrigada!

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  5. Tenho ido muitas vezes à Belém, algumas vezes para trabalhar outras para passear mas, sempre tenho a mesma sensação: bela e encantadora cidade.
    Apesar de seus problemas e em alguns lugares de extrema pobreza, tem várias atrações que não deixam a cidade passar despercebida.
    Com olhares mais atentos e sensações abertas, a cidade nos mostra seus encantos (apesar da chuva e calor constantes).
    Você Jerusa, como poucos, descreveu a cidade em suas belezas naturais e sensações espirituais. É uma daquelas pessoas (mostrado ao longo do texto) que, apesar de tê-la deixado, jamais deixou de ama-la.
    Belo texto.

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  6. Olá pessoal,
    apesar de meu perfil estar como "Diabéticos" (não sei porque, apesar de eu realmente ser diabética) os comentários desse perfil são meus: ELISA

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  7. Seu texto me deixou com água na boca! Que saudade dessa terra de gente hospitaleira e de riso fácil. Tudo no Pará é gostos, os peixes, o cupuaçu, os doces, hummm...... Um dia volto lá para expe

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  8. Jerusa, sei exatamente o que você está descrevendo. Minha família paterna é de Belém do Pará e passei muitas e muitas férias na minha infância e adolescência por lá. Sempre que volto me encanto com os cheiros da cidade, dos mercados, dos rios, das frutas, das comidas, da chuva, da terra molhada... Cheiros bons que me transportam novamente para momentos tão felizes da minha vida. Seu texto me levou para o Ver-o-Peso, para Salinas, para o Mosqueiro... e me trouxe deliciosas lembranças.

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