MEL
Eliana Gesteira
Reescrito por Carolina Geaquinto
Estava à espreita no parapeito da
janela desde o início da manhã, até que acabou indo se sentar na almofada
jogada no fundo da sala. Lá não ficou nem cinco minutos. Andou daqui para ali,
percorreu os vãos entre as cadeiras e, por fim, se agachou e colocou a cabeça
no chão.
Depois de um tempo, a barriga
roncando, procurou alguma coisa para comer, mas como a comida não lhe apetecia,
acabou indo dormir. Ao se deitar de lado, viu no assoalho um brinquedo
mastigado sem muito entusiasmo e de
repente resolveu brincar consigo mesma. Então coçou a orelha, se cheirou,
mordeu um dedo, coçou a barriga e enfiou a cabeça entre as pernas, posição em
que ficou por quase uma hora.
De repente percebeu um perfume no ar.
Levantou num salto e correu em direção ao quarto, onde parou um instante antes
de decidir se subia na cama ou mexia nos chinelos largados. Revirou primeiro um
e em seguida o outro, mas desistiu e foi procurar as cobertas dobradas em cima
da cama, onde voltou a sentir o cheiro que ainda a pouco percebera no ar. Tentou
puxar a colcha da cama e acabou se enroscando numa pilha de panos. Apesar
disso, foi com satisfação que enterrou o nariz o mais fundo que pôde.
O prazer, no entanto, não durou
muito. Começou a sufocar. Quis se livrar das cobertas sacudindo a cabeça, mas
terminou extenuada pelo esforço. Sem forças para mais nada, gemendo baixinho,
se enroscou num pedaço de pano e caiu num sono pesado, tanto, que só a barriga
se movia num sobe e desce lento e profundo.
Quando acordou, o interior da casa
estava às escuras e as luzes nas paredes traziam a movimentação dos carros para
dentro da sala. Seus olhos miraram então a rua que fervilhava e tentaram se
fixar em algo lá fora. Percebendo que o refúgio da janela havia se tornado um
lugar barulhento, buscou o sofá, destino natural para uma longa noite de
sono.
Mal começou a dormir, a porta da
frente se abriu. A luz da sala se acende. Um “Mel, vem aqui, vem” soa amigável.
Ela inclina a cabeça, fecha os olhos entre às mãos que lhe acarinham, abana o
rabo e late alto e feliz.
texto original de Eliana Gesteira:
MEL
Estava à espreita no parapeito da janela desde o início da
manhã, até que resignada acabou indo
se sentar na almofada jogada no fundo da sala. Lá não ficou nem cinco minutos.
Andou daqui para ali, percorreu os vãos entre as cadeiras e, por fim, se
agachou e colocou a cabeça no chão para
chorar.
Depois de um tempo, a barriga roncando, procurou alguma coisa
para comer, mas como a comida não lhe apetecia, acabou indo dormir. Ao se
deitar de lado, viu no assoalho um brinquedo que foi mastigado sem muito entusiasmo, o que a levou a fazer uma coisa da qual muito gostava, que era brincar
consigo mesma. Então coçou a orelha, se cheirou, mordeu um dedo, coçou a
barriga e enfim enfiou a cabeça
entre as pernas, posição em que ficou por quase uma hora, pois assim se sentia muito confortável.
De repente percebeu um perfume no ar. Levantou num salto e
correu em direção ao quarto, onde parou um instante antes de decidir se subia
na cama ou mexia nos chinelos largados embaixo
do móvel. Curiosa, revirou
primeiro um e em seguida o outro, mas desistiu e foi procurar as cobertas
dobradas em cima da cama, onde voltou a sentir o cheiro que ainda a pouco
percebera no ar. Agora mais animada,
tentou puxar a colcha da cama e acabou se enroscando numa pilha de panos.
Apesar disso, foi com satisfação que enterrou o nariz o mais fundo que pode.
O prazer, no entanto, não durou muito, já que começou a
sufocar. Desesperada, quis se livrar
das cobertas sacudindo a cabeça, mas terminou extenuada pelo esforço. Sem
forças para mais nada, gemendo baixinho, se enroscou num pedaço de pano e caiu
num sono pesado, tanto, que só a barriga se movia num sobe e desce lento e
profundo.
Quando afinal
acordou, o interior da casa estava às escuras e as luzes nas paredes traziam a
movimentação dos carros para dentro da sala. Seus olhos miraram então a rua que
fervilhava e tentaram se fixar em algo lá fora. Percebendo que o refúgio da
janela havia se tornado um lugar barulhento, buscou o sofá macio, destino natural para uma longa noite de sono.
No texto original, coloquei em negrito as palavras/expressões que "enxuguei" na minha versão.
ResponderExcluirFoi uma tarefa difícil porque, já desde a primeira leitura, tinha gostado muito do texto da Eliana. Então, para fazer os meus "enxugamentos", resolvi cortar alguns adjetivos, como aprendi na oficina da Noemi. Isso acaba por deixar o texto menos descritivo, porém mais sugestivo, para o leitor.
No segundo parágrafo, fui mais intrometida, reescrevi uma frase porque achei que havia muitos "que" neste parágrafo.
Gostei muito do exercício, foi muito interessante tentar pensar "por dentro" a escrita e o estilo de uma colega rodopiante.
Boa a ideia de escrever em negrito as palavras enxugadas. Também pensei na oficina.
ResponderExcluirUm viva à pioneira do negrito rs! Facilitou muito a análise.
ResponderExcluirAcho que o corte dos adjetivos foi bem cuidadoso, não afetando muito "a escrita e o estilo" da autora.
A reescrita baseada no corte dos pronomes relativos deu realmente mais fluidez.
Vaneska
O enxugamento foi super cuidadoso. O texto estava mesmo precisando. O trabalho que chamo "capinar as palavras" não havia sido feito em sua totalidade. Mesmo porque o conto foi difícil de fazer. O personagem não falava, vivia uma situação de solidão e a narradora devia segui-lo como uma espiã. A "capinada" de Carolina deu mais fluidez ao texto sem modificar estrutura e intenção.
ResponderExcluirSó faria um reparo. Em "viu no assoalho um brinquedo mastigado sem muito entusiasmo" sugiro "viu no assoalho um brinquedo, que mastigou sem muito entusiasmo".