VIAJANDO COM ALADIM
Maria Júlia
Naquela noite, depois de eu ter passado um pano de flanela para limpá-la, a lâmpada que eu havia comprado em um modesto antiquário naquela aldeia remota da misteriosa região da Capadócia, começou a esquentar. Do seu bico saía uma fumacinha suspeita. Entrei em ligeiro pânico mas na minha pousada situada numa rocha não tinha mais ninguém na recepção, e eu não sabia o número do telefone do corpo de bombeiros local.
Abri a janela e a porta do quarto e gritei. Usei a palavra SOCORRO nas línguas que tinha aprendido na escola, até em uma já extinta, mas ninguém veio em meu auxílio. Pensei em jogar um casaco por cima da camisola e correr para a rua, mas não ousei. A escuridão era completa, só uma minguada lua ousava brilhar no céu. As estradas eram de chão batido, a região, repleta de cidades subterrâneas; a pousada ficava ao lado de um antigo caravan seray , ou seja, os antigos abrigos das caravanas que traziam do extremo oriente os diversos produtos e as exóticas especiarias para a Turquia. Minha companheira de viagem não tinha apreciado a ideia de dormir numa gruta, e se mudara para um hotel de estilo mais “ocidental”, na cidadezinha. Deixou-me só naquele fim de mundo, com camelos, cavalos, homens barbudos, de túnicas, turbantes, olhares penetrantes, e dois turistas franceses que cismavam em não acordar. E a fumacinha azulada subindo, subindo. Eu olhava hipnotizada para a lâmpada, à espera de uma catástrofe, explosão, operação suicida, um ato de terrorismo. Naquele momento de extremo sufoco, perguntei-me o que tinha vindo fazer neste fim de mundo. Pensei em meu pai que costumava usar a palavra “capadócio” para desqualificar certos negociantes turcos, no jargão politicamente incorreto da época.
Foi aí que me lembrei de Aladim das histórias de Mil e Uma Noites que eu adorava ler e reler, e por associação, do gênio que atendia a todos os desejos. Então, pura telepatia, que você apareceu, seu gênio danado, e começou a me interrogar. De onde eu era, como era, o que queria, o que pensava, de onde vinha, para onde ia, enfim, todas as perguntas que eu não estava preparada para responder naquela tenebrosa noite, visto o adiantado da hora, e diante da enorme aflição que me invadia.
Você era um gênio tipo padrão com sua barbicha, sobrancelhas cerradas e arqueadas, orelhas pontudas e grandes, uma cauda enrolada como um fio que saía do bico da lâmpada. Difícil para mim descrever gênios, já que eu convivia com pobres mortais de inteligência média. Tinha uma cara meio de mau, de levado e de maroto (para não dizer, sacana), de um moleque, gozador. Começou recitando a sua bula medicinal, as instruções de uso. Que só era permitindo fazer um desejo. Que eu devia ficar ciente que qualquer desejo é por si fadado à frustração, pois quando satisfeito, evapora-se, vira fumaça igual àquela da lâmpada. Repetiu que eu precisava me dar conta de que só se deseja o que não se tem, e portanto, nunca temos o que se desejamos, que não podemos ser felizes já que o desejo está condenado ao fracasso. Que qualquer filósofo de bolso sabia disso, os grandes pensadores escreveram tratados e estudos a respeito, assim era a bendita natureza humana. Portanto, era a sua sugestão de gênio amigo, que eu pensasse duas vezes antes de formular o meu pedido, que este pedido também não incluísse nada de extremamente abstrato, algo como, por exemplo, a felicidade.
Estando a par da minha origem, ele até citou meu conterrâneo Tom Jobim: “a felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”. Poético e letrado, o meu gênio. E prosseguiu: Afinal, o que significa ser feliz? As pesquisas na Holanda, país onde você reside, não vivem indicando que 80% dos holandeses são felizes? Desde quando? Você já os viu sorrindo por aí, alegres, descontraídos, distribuindo amabilidades? É tudo muito relativo. Também não faço a pessoa amada voltar em três, quatro, nem mesmo em 365 dias, não adianta pedir, a minha genialidade não é ilimitada, e sobre isso, dou-lhe meu último conselho em forma de verso tirado do bom e velho dr. Google:
Você era um gênio tipo padrão com sua barbicha, sobrancelhas cerradas e arqueadas, orelhas pontudas e grandes, uma cauda enrolada como um fio que saía do bico da lâmpada. Difícil para mim descrever gênios, já que eu convivia com pobres mortais de inteligência média. Tinha uma cara meio de mau, de levado e de maroto (para não dizer, sacana), de um moleque, gozador. Começou recitando a sua bula medicinal, as instruções de uso. Que só era permitindo fazer um desejo. Que eu devia ficar ciente que qualquer desejo é por si fadado à frustração, pois quando satisfeito, evapora-se, vira fumaça igual àquela da lâmpada. Repetiu que eu precisava me dar conta de que só se deseja o que não se tem, e portanto, nunca temos o que se desejamos, que não podemos ser felizes já que o desejo está condenado ao fracasso. Que qualquer filósofo de bolso sabia disso, os grandes pensadores escreveram tratados e estudos a respeito, assim era a bendita natureza humana. Portanto, era a sua sugestão de gênio amigo, que eu pensasse duas vezes antes de formular o meu pedido, que este pedido também não incluísse nada de extremamente abstrato, algo como, por exemplo, a felicidade.
Estando a par da minha origem, ele até citou meu conterrâneo Tom Jobim: “a felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”. Poético e letrado, o meu gênio. E prosseguiu: Afinal, o que significa ser feliz? As pesquisas na Holanda, país onde você reside, não vivem indicando que 80% dos holandeses são felizes? Desde quando? Você já os viu sorrindo por aí, alegres, descontraídos, distribuindo amabilidades? É tudo muito relativo. Também não faço a pessoa amada voltar em três, quatro, nem mesmo em 365 dias, não adianta pedir, a minha genialidade não é ilimitada, e sobre isso, dou-lhe meu último conselho em forma de verso tirado do bom e velho dr. Google:
Se adulto ou criança
Se homem ou mulher
Não importa quem seja
Vou lhe dar o que quiser
Eu sou excepcional
Um gênio de alto astral
De força e magnitude
Aaaah... Já ia me esquecendo!
Mesmo que merecendo
Se for amor, não se ilude...
Não pense que eu menti
O que falei é verdade!
É que amor é difícil
Não é por minha vaidade!
Mesmo com todo o poder
Até viver ou morrer
Mas não sei fazer amar...
Se esse item for excluído
Não fizer parte do pedido
O resto posso lhe dar...
Sendo assim, tendo em vista todos senões e adendos, fiquei refletindo tanto sobre o conteúdo e a forma do pedido a formular, que o gênio se impacientou e desapareceu da minha vida. Guardei a lâmpada com cuidado, esfreguei-a com Silvo e Brasso, mas qual o quê! Never more, disse-me o corvo escuro de Edgar Allan Poe pousado na janela da casa onde moro, no país onde reina a felicidade. What a shame! Que pecatto! Acrescentou a ave poliglota.
Despertei com os roncos de Jorge ao meu lado, me poupando de outros ardis geniais.
Você sabia que o gênio era também usado para explicar de onde vinha a inspiracao para escrever ou criar? Dizia-se: que a inspiração vinha de um gênio, um espírito. Este conceito de tornou tão popular que mais tarde passamos a chamar pessoas de criatividade excepcionais de gênios 😊.
ResponderExcluirBeijos Elaine
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue texto bem humorado! Divertido sem perder a profundidade. Denso em detalhes, informações e reflexões. Muito visual!
ResponderExcluirVaneska
Fantasia, humor, leveza, profundidade, caldo cultural e a crua realidade do ronco ao lado. Quem nos faz rir na escrita só pode ser genial. Quem nos faz rir na atual conjuntura só pode merecer que lhe beijemos os pés. Obrigada Júlia!
ResponderExcluirEliana
Nossa, obrigada Eliana mas não me deixe sem graça! Eu também gosto bastante deste texto! Logo lerei o teu com a devida atenção. M. Júlia
ExcluirOi Julia, gostei da releitura da história do gênio e o melhor é que no final não tem pedido nenhum! Muito boa também a reflexão de que o desejo está sempre escapando e a relação disso com a relatividade do que é felicidade.
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