HÁ UMA INTERDIÇÃO
Angela Fleury
É preciso encarar o bicho, não vamos controlar tudo, não vai dar.
É preciso encarar o bicho, não vamos controlar tudo, não vai dar.
É preciso encarar o desamparo, o terror e entender que a vida que nos cerca é terrível. É preciso encarar o bicho. Estamos desamparados dentro de um barco no meio de um mar revolto. E o pior, somos por dentro um mar revolto. Estamos perdidos e sozinhos numa noite escura. O chão se move, as paredes balançam e o teto está nervoso. Não há como fixar, estabilizar, estancar, voltar atrás e suspender a viagem. Não quero mais, mudei de ideia, não quero mais, não, não vai ter jeito, é preciso encarar o bicho.
Mas, tudo bem. Não é preciso mesmo dominar as coisas da vida, não é preciso voar até Júpiter, roubar os anéis de Saturno, descobrir outras galáxias, saber de onde viemos e para onde vamos, não é preciso viver 200 anos, desvendar a vida após a morte, ir e voltar pra contar, descobrir as manhas do cosmo, não, não é possível. Não temos como negar, há uma interdição.
Há um limite a partir do qual não se ultrapassa mais. Não tem como ir além, está escuro, bloqueado, vedado, obstruído. Para, desiste. Vamos ficar por aqui. Melhor será aceitar a grandeza da natureza, admitir a ocultação, admitir o escuro abismo que não iremos decifrar. É preciso encarar o bicho. Não temos como controlar, como dominar, não somos o centro do universo.
Não precisamos mais matar os rios, destruir as florestas, matar a pluralidade e encaixar tudo e todos em formas pré-estabelecidas de pensamento. Somos indeterminações, desconhecimentos, buracos negros. Precisamos nos conformar. Não precisamos ser iguais, não precisamos pensar igual, não precisamos desvendar “a verdade” através de um rigoroso método de investigação, não precisamos obter uma ideia concreta da verdadeira natureza da razão humana, não precisamos caminhar para a grande luz. Não precisamos conceituar, nem ajuizar e muito menos atribuir um significado a cada modo de sentir e de pensar. Há uma interdição, precisamos voltar a entender isso. É preciso encarar o bicho.
Muito interessante e à propósito, Angela, este seu texto sobre os seres ambiciosos, violentos, predadores, primatas que somos. A gente lê de um só fôlego concordando com sua tese: é preciso ter consciência da nossas limitações e saber parar. Parar, encarar e, se preciso, retroceder.
ResponderExcluirQuem não estava encarando o bicho, o faz a força, porque seu texto é forte. Em tempos de tanto autocentrismo, lembrar que não somos o centro do universo e de que precisamos nos conformar é sempre uma mensagem poderosa.
ResponderExcluirPor outro lado, a lembrança de tudo aquilo que não precisamos é confortadora, é alento e faz crer que encarar o bicho é libertador.
Gostei muito do estilo "pancadão" rs do texto. Uma novidade muito agradável.
Vaneska
O texto de Ângela me lembra uma distopia, representação do mundo em que há um controle opressivo da humanidade e onde normas são flexibilizadas e limites ultrapassados. A ideia de distopia tem em contraponto a de utopia, de uma sociedade justa e ideal
ResponderExcluirSe por um lado sou solidária aos sentimentos expostos no texto, por outro, sou levada a desconfiar da visão catastrófica que nele se sobressai. Com o protagonismo do mundo virtual, há uma tal overdose de sensações, de informações e de críticas de tudo e de todos, que fico sem respostas. Estamos no olho do furacão de um mundo em mudança. Se isso é ruim ou não, não sei.