PALAVRAS Maria Júlia


 
A partir de um texto de Frei Beto em O ofício de escrever

 
“...Vivemos sob o signo da palavra. Unir palavra e corpo é o mais profundo desafio de quem busca coerência na vida. Há políticos e religiosos que primam pela abissal distância entre o que dizem e o que fazem. E há os que falam pelo que fazem. A palavra fere, machuca, dói. Proferida no calor aquecido por mágoas ou ira, penetra como uma flecha envenenada. Perdura no sentimento dilacerado e reboa, por um tempo que parece infinito, na mente atordoada pelo jugo que se impõe. Só o coração compassivo, e a meditação livram a mente de rancores e imunizam-nos da palavra maldita.

    Machado de Assis ensina que as palavras têm sexo, amam-se umas às outras, casam-se. O casamento delas é que se chama estilo.”

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As palavras faltam. As palavras sobram. Há os que falam por falar, já que o som da própria voz reforça egos ávidos da chance de se apropriarem dos hiatos e reticências alheias

Graciliano Ramos acreditava que a palavra não foi feita para brilhar feito ouro falso, mas para dizer. Cortazar achava que só as palavras conferem fisionomia à realidade. A literatura seria uma “empresa da conquista verbal desta realidade”. Saramago, perspicaz, dizia que lugares-comuns, frases feitas, provérbios, tudo pode parecer como novidade e a questão só está em saber manejar adequadamente as palavras que estejam antes e depois. Shakespeare também tinha sua dose de ceticismo. Quando Polônio, pai de Ofélia, indaga sobre o que está lendo Hamlet responde: ”Palavras, palavras, palavras, nada mais que palavras...   Shakespeare se pergunta sobre o que, afinal, resta, o que uma pessoa pode fazer com suas palavras? Será que as palavras fazem alguma coisa? E se não fazem, o que fazem então, qual é o seu propósito? 

            Ah, a trivialidade e incoerência das palavras, a necessidade de preencher espaços que não carecem de sons. A tagarelice incessante das mulheres. O vozeirão dos machos nos bares. O pugilato verbal e bizantino dos fantoches sediados no Planalto. Tudo verba volant. Claro, elas têm poder. Poder de abençoar, amaldiçoar, machucar, aborrecer, entediar, engambelar. Esculpem, formam, redimem, refazem, reparam. Mas também se cruzam, se chocam, se embatem em duelos cruéis, em casamentos imperfeitos e mal sucedidos.

Há momentos na vida em que as palavras perdem o sentido ou parecem inúteis e por mais que a gente pense numa forma de empregá-las ela parecem não servir. Então a gente não diz, apenas sente. O pensamento não é meu nem do frei Beto. É do doutor Freud. De fato, a ideia de meditar, desentupir ouvidos, espanar a mente, se imunizar de tanta verborragia e das próprias vozes interiores faz sentido. Pois, no final das contas... “O resto é (mesmo)silêncio” Sempre vale repetir Hamlet.

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