PELA BOCA

Vaneska M.

Eu gosto de gostos. Gosto de comida quente e de verdade. Arroz, feijão, bife e batata frita. Gosto de sopa de inhame com carne seca. Gosto de farofa de ovo. Pão, manteiga e vinho. Ando de braços com Bernard Shaw: não existe amor mais sincero do que aquele pela comida. Nesses tempos de suco verde e tapioca, porém, esse meu amor parece cada vez mais bandido.

Eu não tenho arrepios diante de frango grelhado e salada. Eu até gosto bastante de batata doce. Como frutas todos os dias... mas ditadura alimentar não é coisa que me sirva. Podem me prometer um corpo perfeito ou viver até os 115 anos. Podem prometer que vou acordar com disposição para correr uma maratona. Eu não vou abrir mão do chope na sexta, acompanhado da tábua mista do Urich por nada disto. Aliás, mesas de bar são lugares alegres. Meta um patrulheiro alimentar nela e a tornará um lugar lastimável.

Perdoem-me as musas fitness; os gurus da alimentação saudável; os amantes do mundo sem glúten e lactose. Isso tudo é muito chato, sem gosto e sem graça. Vocês colocaram o prazer de comer num lugar muito esquisito. Pessoas saudáveis não deveriam se submeter a tantas restrições. 

No meu paladar mando eu e ele quer mais da vida. Meu paladar quer a alegria da gordura, do açúcar e do sal. Ele também quer confraternizar. Ele quer me dar conforto. Se a gente morre pela boca, também se vive por ela. Eu escolho viver sem excessos, mas não vou separar o comer do prazer. 

Eu sei que corro o risco de ser atirada à fogueira por essas palavras infames, mas queimarei feliz... e de barriga cheia.

Comentários

  1. Ah Vaneska,o teu "amor bandido" pela comida de verdade é tão visual que de repente me vi desejando, de água na boca, imagine,aqui na Holanda, uma sopa de inhame com carne seca, feijão com farofa de ovo e tudo o mais, arrematado por um bom chope..Um texto sem frescura, e bastante suculento.Muito bom.
    Maria Júlia.

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  2. Me sentir liberta por suas palavras e me atirei sem culpa a um delicioso bobó de camarão. Aliás, poucas e eficientes palavras, que, de quebra, traçam um registro histórico das ditaduras gastronômicas atuais.

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  3. Belo texto que nos trás à consciência a necessidade de viver sem se culpar por cometer um excesso aqui ou acolá mas que nos faz sentir com muito mais anos de vida já que as restrições, muitas vezes necessárias à manutenção da saúde, nos faz perder a vida na alma.
    Elisa

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  4. Eu concordo com a Julia. A comida transporta a gente. Apesar de ser um exercicio bacana para o paladar experimentar novos sabores como os propostos pela cozinha fusão tão de moda hoje em dia, nada como deliciar-se com pratos que já conhecemos e que fazem parte da nossa memorie sensorial. Quando vou ao Brasil não quero saber nada de comida gourmet, quero feijão preto com tempero caseiro, farofa, bife s milanesa, tutu, carne seca com abobora( com ñame tenho q provar, pois nunca comi) couve mineira etc. Todos temos uma cota para pecar, então deixo para cometer esses pecados gastronomicos quando vou no Brasil!

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  5. "...mas ditadura alimentar não é coisa que me sirva." "No meu paladar mando eu..." . Fora patrulhamento! Quem quiser come bife com batata frita, quem quiser vive no mundo do sem glúten e sem lactose. Gosto não se discute.

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  6. Cara Vaneska,
    Adorei seu texto e penso exatamente igual a ti. Não suporto ditaduras alimentares e modismos. Sou formada em Nutrição, mas nunca me deixei contaminar pelo radicalismo. Acho que comer antes de tudo é um prazer, não deveríamos comer pensando apenas nas calorias, macro e micronutrientes. Hoje obviamente minha alimentação é mais equilibrada, mas isso não quer dizer por exemplo, que eu dispense um chopp e uns tira-gostos com a minha família ou amigos. Não dispenso um brigadeiro e um bolo de festa (sem me importar com o glúten e a lactose). Nesses 5 anos estudando Nutrição, aprendi a trilhar o caminho do meio, não passo fome, não exagero e me dou a oportunidade de comer de tudo um pouco. Comer para mim significa muito mais do que apenas nutrir meu corpo. Abraços e parabéns pela bela reflexão!

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