CHEGAR E PARTIR

Vaneska M.

Muito mais em razão de minha inabilidade social e certa ranzinzice, estive longe das redes sociais por longos anos. Foi atendendo à intimação de um grupo de escrevinhadores, que pela primeira vez embarquei nessa viagem.

Não tenho mais que cinco pessoas que realmente conheço conectadas através da rede. Entretanto, já nas primeiras estações, percebi que o movimento dessas poucas pessoas gerava uma infinidade de inter-relações e múltiplas informações. Uma imensidão de passageiros circulando freneticamente pelos vagões que seguem sem trilhos.

Através do recém-descoberto recurso seguir, um monte de gente interessante foi embarcando no comboio. Minha primeira reflexão de viagem foi: dá pra editar a vida na rede social. Então, você pode cair na falácia de que o mundo é um lugar menos desagradável. Isso, claro, se você não ousar ler os comentários nas postagens.

Bem, vamos às minhas notas de bordo.

As redes sociais têm uma gramática e vocabulários próprios. Se eu de fato interagisse, chamaria minha amigas de migues. Se eu fosse descolada, iajuntandoaspalavrasatéquefosseimpossívelentendê-as. Queporraéessa? Se eu fizesse postagens, elas seriam textão e eu as iniciaria com “senta que lá vem textão”. Porque eu sou chata o suficiente pra isso.

Demorei a entender as palavras que terminavam em “x”. Se miga já estava complicado de engolir, imagina migx, sua loucx. Achava que era algo relacionado à Xuxa. Acabei compreendendo que isso era um pé na bunda da gramáticx normativx e suas prescrições de gênero. Gostei.

E por falar em gênero, embora eu sempre tenha me considerado feminista, não conhecia as inúmeras nuances do tema, que me foram sendo apresentadas nesse caminho.

Para muito além do feminismo tradicional, descobri o feminismo radical, o separatista, o sexista, o abolicionista e, pasmem, até o feminismo fascista. Todos eles realidades bem definidas.

Acompanhei, atônita, discussões que transformavam sororidade em dever de respeitar o homi alheio. Ataques às prostitutas. Ataques aos homens.  Mulheres transfóbicas que ignoram as subjetividades da identidade de gênero. Descobri que por ser CIS, branca, magra e classe média, também posso ser opressora. Sim, eu aprendi o que é ser CIS.

Observei tudo isso para constatar que eu já estava onde devia estar. O lugar em que meu feminismo é sobre liberdade e igualdade quase irrestritas.

Liberdade não é tema fácil na timeline. Mulheres livres para não ter filhos, todas umas egoístas, litigando contra as livres vacas parideiras, deusas. As pessoas que concordam com a restrição de acesso de crianças a certos lugares, os odiosos seres que odeiam crianças, atacando outras que gritam contra a exclusão compulsória dos pais - esses sem noção, que não entendem que há lugares em que crianças não devem ir.

Se mais suscetível eu fosse, possivelmente mudaria de ideia umas três vezes por dia. Acreditem, eu acompanhei uma lide sobre leite condensado. Guardei provas.

Não, não está fácil ser livre. Nem na internet, nem na vida. Nada mais old fashioned que escuta sincera e respeito.

Uma coisa muito divertida nessa viagem foi conhecer gente que de outra forma eu nunca conheceria. Em que outro mundo paralelo eu partilharia as emoções, intimidades, posições políticas da Alice Ruiz? De que outra forma eu saberia que aquela cronista que eu lia há anos e que julgava viver no glamour literário, não conseguiu pagar o aluguel do mês e se tornou tão real?

Por outro lado, essa intimidade pode trazer grandes decepções. Como a atriz escritora que me bloqueou, quando delicadamente ousei ventilar que não dava pra vender seu livro - pelo qual, registre-se, interessei-me genuinamente - pelo mesmo valor de um Vargas Llosa. Mas essa também me ensinou uma lição poderosa. Redes sociais são sobre aplauso. É um jeito de ir morrendo.

Redes Sociais aprisionam almas descuidadas. É preciso saber a hora de chegar e de partir. Porque a vida, *a vida é urgente, e eu acho que se vive melhor do lado de cá.


*Poema Transitório, Mário Quintana.

Comentários

  1. Nem demonização, nem aceitação incondicional das redes sociais. Seu texto me lembrou o livro de Humberto Eco, “Apocalípticos e integrados”, sobre cultura de massas.
    Mas não fique chateada, vou discordar de você.
    Receba meus aplausos daqui, de uma das pontas dessa imensa rede. Outra reação não há.
    Perspicácia é sempre um ponto alto de seus belos textos. Clap clap clap!
    Eliana Gesteira

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  2. Perspicácia, Eliana tem razão, você não perde nada, e me junto aos aplausos. E + argúcia, leve ironia, senso de humor refinado misturado a uma certa melancolia e o dom de escrever muitíssimo bem. Sua viagem á terra das redes sociais é bastante real, revela outra fogueira das vaidades. É sempre um prazer ler seus textos surpreendentes!
    M.Júlia
    M. Júlia

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  3. As redes sociais são uma segunda vida onde é permitido compartilhar suas alegrias, suas opiniões, seus interesses contanto que não sejam radicais. Dica de sobrevivência nas redes: ser meio blasé...
    escritores e poetas que são pessoas apaixonadas, não conseguem 😊
    E Morais

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