DHARAMSALA

Angela Fleury


A primeira impressão foi de deslumbramento. Eu havia imaginado uma coisa e tudo estava indo completamente além do imaginável. Hesitei entre tentar entender o que estava acontecendo ou me entregar e admitir a impossibilidade de uma compreensão daquela experiência. Sons de violino e piano seriam as perfeitas trilhas musicais de fundo daquela paisagem, tal era a grandiosidade de sua beleza. E eu os ouvia! Estaria indo encontrar os deuses? Ou estaria indo ao encontro das estrelas? Era meu primeiro contato com o teto do mundo, o Himalaia, onde muitos acreditam que os deuses e os mortais se encontram. Era um lugar de muita sabedoria e isto estava bem evidente na beleza de sua natureza branca e na profundidade de seus vales verdes e vermelhos.

Quando todos gritaram, foi como se eu tivesse acordado de um sonho. O ônibus que nos levava montanha acima, apinhada de gente e de carga tinha derrapado no gelo fino e ali não tínhamos mesmo espaço de manobra. Voltei à realidade. Olhando pela janela senti gelados calafrios correndo pela espinha abaixo quando vi o precipício que se impunha a nossa esquerda, do qual as rodas do ônibus passavam tirando um fininho absurdo. Do outro lado, na janela à direita, via-se uma muralha de pedras sobrepostas umas sobre as outras, o que deixava bem evidente que não haveria outra saída senão nos equilibrarmos naquela estreitíssima estrada. Estávamos encurralados entre um precipício e uma muralha. Pura instabilidade. A altura era transcendental, por um momento, dentro daquele ônibus, sentiu-se que com um desequilíbrio, uma direção em falso, ou uma pequena avalanche... poderíamos todos despencar.

Depois dos gritos acessamos um grande silêncio, depois do desequilíbrio ressurgiu a lucidez. Recuperamos o eixo: “assim como o orvalho seca com o sol da manhã, também as preocupações do homem somem ao ver os Himalaias”, e assim, confirmou-se o ditado hindu. De volta ao sonho, por detrás das nebulosas montanhas, de volta à transcendência, pude ver o pequeno vilarejo de Dharamsala, residência de Sua Santidade Dalai Lama, mestre maior do Budismo Tibetano. Estávamos chegando ao nosso destino, uma força e uma energia absolutamente estável tinham sido reconstruídas. Naquele momento, inspirávamos e expirávamos, novamente, com o Himalaia, com o universo.

Há momentos que marcam a nossa vida, momentos que parecem ter um peso maior do que os outros.

Comentários

  1. Belo relato de numa viagem exótica e longínqua.Ritmo de tensão. Pensei até que fosse um sonho.
    M.Júlia

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  2. Belíssima e corretíssima descrição. Viajei junto. Tão onírico que também imaginei tratar-se de um sonho.
    Vaneska

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  3. Os detalhes dos percalços da subida do Himalaia em contraste com o maravilhamento da chegada ao vilarejo casaram muito bem no texto.
    Agora, preciso dizer uma, tenho mais medo de viajar de ônibus do que de avião por causa das montanhas que cercam o Rio. Imagina o que senti com o relato de sua viagem?! Meeedo!
    Literatura é isso.
    Eliana Gesteira

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  4. Os detalhes dos percalços da subida do Himalaia em contraste com o maravilhamento da chegada ao vilarejo casaram muito bem no texto.
    Agora, preciso dizer uma, tenho mais medo de viajar de ônibus do que de avião por causa das montanhas que cercam o Rio. Imagina o que senti com o relato de sua viagem?! Meeedo!
    Literatura é isso.
    Eliana Gesteira

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  5. Viajei contigo, este é um sonho antigo que ainda não realizei mas pude sentir o gostinho através da sua descrição, obrigada!
    E Morais

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