AS ÁRVORES CUIDAM UMAS DAS OUTRAS
Angela Fleury
Não há como aceitar esse mundo que nos vendem,
no qual tudo está aí, totalmente presente, inequívoco, às claras, um caminho
solar, já averiguado, definido e acolhido. Verdades cientificamente incontestáveis?
Um mundo exato, preciso, comprovado racionalmente? Não! O estar das coisas não
se encontra inteiramente a vista, há algo que se retrai e se oculta. Há muitas
possibilidades que ainda não conhecemos. É preciso converter, diminuir o ritmo,
sentir a batida do coração, dar meia volta volver, procurar um atalho
alternativo, sem medo de enfrentar um novo roteiro desconhecido. Prestar
atenção àquilo que silencia procurar ouvir o remanso, a quietude, para deixar
vir à tona o verdadeiro sentir das coisas. É preciso afinar os ouvidos e
considerar as forças originais que nos habitam porque a qualquer momento
poderemos ser assaltados por elas e felizmente e finalmente achar a rota certa.
Para
o engenheiro florestal alemão, Peter Wohlleben, em seu trabalho “A vida secreta
das árvores”, os humanos e as árvores tem mais em comum do que podemos supor.
Árvores da mesma espécie apoiam-se através de uma rede construída através de
conexões de raízes que se comunicam entre si. Há forças invisíveis mais
poderosas do que as visíveis que podemos ver. Há uma constante troca de
nutrientes que fortalece os membros mais fracos da comunidade e, além disso, elas
também contam com fungos que transmitem rapidamente suas mensagens. São como
cabos de fibra ótica da internet, por
onde passam notícias sobre ataques de insetos, de modo que todas possam se
preparar contra agressores. As árvores são pacientes, algumas centenárias com
apenas um metro de altura esperam pacificamente na sombra sob suas
árvores–mães, por décadas, até que estas morram para que possam receber luz e
finalmente crescer. Espécies como pinheiros sabem identificar a saliva de cada
espécie de inseto e assim atraem predadores específicos.
É
ilusório, assim sendo, acreditar que sabemos tudo o que se passa a nossa volta,
mais cedo ou mais tarde, forças romperão pela própria força e a verdadeira existência,
até aqui oculta, em algum momento há de gritar.
Como sempre, Angela não fica na superfície. Muito sofisticadas as conexões estabelecidas entre as vidas humanas e a das árvores. Uma lição sobre a paciência, o silêncio e a atenção necessários para que se perceba o momento em que se vai crescer em direção a verdadeira existência até então oculta. Uma lembrança de que sim, talvez haja uma rota certa.
ResponderExcluirVaneska
Veja que a mesma verdade vendida que nos cega é também a verdade construída que nos ilumina. O problema da ciência é o uso que fazemos dela, se para nos restringir ou para ampliar nossas conexões com o mundo!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir"O estar das coisas não se encontra inteiramente a vista, há algo que se retrai e se oculta". "Espécies como pinheiros sabem identificar a saliva de cada espécie de inseto e assim atraem predadores específicos". Falou, é isso aí, Angela! Você entrou por um ângulo especial, diferente do autoengano e se saiu, como sempre, muito bem!
ResponderExcluirEstou lendo um livro que me remete ao teu escrito . "Sapiens" de Noach Harari.A gente não sabe de nada e a história do homem na terra se (re)alimenta de autoenganos!
M. Júlia
Chamar a atenção para os subterrâneos, as comunicações não ditas e a rede que se estende e abarca tudo e todos. Original e contundente forma de abordar o tema.
ResponderExcluirEliana
Interessante como os temas da percepção do real e da verdade perpassam vários escritos do tema do autoengano.
ResponderExcluirGostei da sua perspectiva sobre o poder do invisível.
Ah Angela, queria acrescentar que eu tenho uma relação pessoa/afetiva com a árvore em frente à varanda do meu apartamento acompanho seus humores e verduras, já escrevi sobre ela. O teu engenheiro florestal sacou!
ResponderExcluirM.Júlia
Você abordou um tema muito importante. O maior autoengano do ser humano é achar que conhece e domina os mistérios da natureza.
ResponderExcluirSilvia Sobral Vallim
Lindo seu texto. A natureza é o que mais amo na vida e acredito totalmente nessa força silenciosa e bela que você mencionou. Basta entrar em um bosque para sentir essa presença misteriosa que muitas vezes causa temor precisamente porque não entendemos bem.
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