MANUAL DE AUTOENGANO

Sílvia Sobral Vallim


Ter um manual de autoengano pode ser mais útil do que ter um guia de autoajuda. Ninguém melhor do que nós mesmos para nos ajudar, mas nos enganar pode ser o segredo da sobrevivência e nem exige autoestima como pré-requisito. 

O autoengano pode ser praticado por qualquer um. A primeira dica é ignorar os sinais. A todo momento, situações, pessoas, coisas e o plano astral sinalizam o que é propício e favorável, mas se ignorarmos, podemos cometer o autoengano sem preocupações. 

A intuição, a pulga atrás da orelha, aquela sensação de captar algo no ar, nas entrelinhas, saber que um pingo é letra, tudo isso deve ser evitado para que o autoengano seja eficaz. A vantagem é que podemos responder as nossas próprias dúvidas do jeito que for mais interessante, na justa medida das nossas necessidades e carências.

Interpretar mensagens sutis é uma tarefa complexa que exige exaustiva reflexão. Dá muito trabalho. É bem mais fácil atribuir o sentido da verdade aos nossos próprios interesses, de acordo com a nossa própria natureza e conveniência.

Com o autoengano podemos nos manter na zona de conforto, o que é bem mais cômodo do que experiências desconhecidas. Podemos nos manter fixos, coerentes e seguros, sem nos afastar das nossas convicções nem por um milímetro. Para quê buscar a instabilidade de uma corda bamba se podemos caminhar num terreno seguro? Tirar suas próprias conclusões desligando seus canais de percepção é um processo muito mais simples. Encarar a dinâmica das relações interpessoais implica em mudanças e transformações, sem certeza dos resultados. A vida fica bem mais complicada assim.

Por exemplo, se você acha que ter um relacionamento afetivo é uma garantia contra a solidão, deve praticar o autoengano, mesmo quando todas as evidências apontam que o afeto não existe mais ou nunca existiu. O ideal é encontrar uma justificativa para explicar de uma forma diferente o que para a maioria parece óbvio.

Lembre-se sempre que só você sabe o que é bom para você mesmo, embora possa estar enganado. 

Comentários

  1. Gostei muito, Silvia! Não apenas da sua perspectiva, mas principalmente do final!

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  2. Achei interessantíssima a abordagem didática do tema. Bem humorado, encadeado, bastante fundamentado, o texto flui. Gostoso de ler.

    Acredito que eu e você escolhemos, não sem bastante ironia, uma faceta do autoengano bem parecida: o fato de nem sempre ele ser um processo mental tão inconsciente assim, mas opção que simplifica tudo. Um belo manual pra quem acredita que realmente possa ser tão simples assim!

    Muito bem vinda, Silvia!

    Vaneska

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  3. Silvia, você foi absolutamente original na abordagem do tema. Gostei demais de algumas formulaçõe, como:
    "saber que um pingo é letra, da intuição, a pulga atrás da orelha" , da maneira irreverente de falar sobre os relacionamentos sob o ângulo do autoengano e do fecho Pura verdade. Tirou de letra. Bem-vinda à Roda!
    M. Júlia

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  4. Esse “útil” manual apresenta o autoengano como uma espécie de salvaguarda da condição humana, já que “nos enganar pode ser o segredo da sobrevivência”.
    Belo texto, Sílvia. Seja bem vinda.
    Eliana

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  5. "Buscar a verdade é descer a profundidades espantosas, entrar em um mundo de zonas arriscadas", afirmava o mestre grego Heráclito. Preferimos "nos manter em uma zona de conforto, caminhar em um terreno seguro". Concordo plenamente com você, refletir dá muito trabalho, mas talvez não encarar a dinâmica das contradições seja fatal. Sábias as suas reflexões! Bem vinda à Roda!

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