QUEM TEM ALMA NÃO TEM CALMA*
Vaneska M.
Dura é a vida dessa gente que tem excesso de alma. Esses seres que sentem demasiado. Que não mergulham raso. Que não entendem de simplicidade ou leveza. Que são íntimos de obscuros. Que levam tudo no fio da navalha. A eles, toda minha ternura.
Como não admirar essas pessoas que sempre ouvem mais do que se diz: uma entonação; uma pausa; um suspiro; um baixar de olhos – tudo tem mil significados. Que sempre leem mais do que se imaginou escrever: a secura do ponto; a pretensão do ponto e vírgula; o exagero da exclamação; o descompromisso das reticências. Que têm olhos capazes de enxergar além do espectro visível.
Como não estimar quem é capaz da maior das humanidades – entender a tua dor. Porque essas pessoas podem senti-la como se sua. Por esta razão, um de seus talentos é uma escuta sempre qualificada e cheia de compreensão e envolvimento. Quem mais entenderia até mesmo a tua palavra sufocada?
Como não respeitar esses seres que amarguram indecisões, pois têm um medo enorme do equívoco. Porque sofrem no desagradar. Porque não receberão muito bem tuas críticas.
Como não se encantar com essa gente que tem olhos de poesia.
Como não ser afetado por essa gente que anda vestida de nuvem e pisa corpos celestes – nos dias bons. Que se veste de abismo e pisa martírios – nos ruins.
Como não se enternecer com pessoas que choram - por motivos nem sempre visíveis e muitas vezes risíveis. Que choram porque viver às vezes dói mais do que eles aguentam. Vulcões na constante iminência da explosão. Como não ser tocado por suas reações imprevisíveis; incompreensíveis; desmedidas.
Como não admirar aquele que cuida dos seus amores mesmo quando já acabados; mal resolvidos; mal vividos; não correspondidos. Que sabe benquerer como não é possível a quem carece de um pingo que seja de alma.
Como não amar, mas como suportar? Como acompanhar pessoas que de tanto serem sós, só tem alma. Como compartilhar a falta de calma e manter a sanidade. Como não se exceder diante de quem é feito de excessos. Como partilhar a vida de quem é tantos.
Nunca vai ser fácil, nem sóbrio. Muitas vezes não será sano. O afeto por estas pessoas há de se revestir de alguma abnegação. Mas como não se deixar seduzir por essa gente que se apaixona em estrondo e tem afeto profundo e ilimitado.
Dê-lhe um poço fundo onde mergulhar e a mão em socorro. Paz e desprendimento. Chão quando for preciso, ou asas. Dê-lhe palavras firmes; afetuosas; companhia de alma. Ignore suas blasfêmias. Dê-lhe o silêncio de que necessita e a solidão de que carece. Mostre-lhe teus limites. Permita seus infernos. Tenha paciência no deixar passar. Releve.
Quem tem alma, não tem calma. Antes alma em demasia e todas as suas agruras a um afeto pequenino.
*Fernando Pessoa
Poesia em forma de Prosa/ e uma incrível compreensão dos aspectos dos com "excesso de alma"/ talvez pudesse ser um pouco mais enxuto/ alguns pronomes demonstrativos não fariam falta, penso/ e poderia ganhar mais ritmo/ Parabéns, Vaneska, seu texto tem muita reflexão/ há uma certa tensão qdo pergunta "Como não amar, mas como suportar?" e traz um alívio qdo vc sugere "como", no penúltimo parágrafo/ muito bom/ Lidia (lia cora)
ResponderExcluirMuito boa e profunda a sua indagação, Vaneska, sobre os "excessos"da alma humana' que o nosso mundo narcisista e racional não consegue apreciar nem entender, a não ser que venham encapados num livro, ou mostrados numa tela de cinema. De perto,incomodam.
ResponderExcluirDe perto,os execessos da alma incomodam
Nossa! Se vivemos num mundo pobre, daquela pobreza mais severa e faminta, seu texto nos supriu de uma deliciosa poesia. Minha alma se lambuzou e se desassombrou.
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