COMO QUISER

Eliana Gesteira


– Vou me casar.

– Como!?… acabei de sentar, você me convida…ah, isso agora! Garçom, traz dois cafés. Você quer!? Não? Um café. Forte.

– Sim, pai, vou me casar. E com uma pessoa que, sei, não vai aprovar.

– Quem é essazinha que você arranjou para casar, João?

– ... é… atendente numa loja, não é como nós, trabalha para pagar os estudos, mora...Ah, pai, Dani... gentil, inteligente e nós nos amamos.

– E ela sabe quem você é, meu filho?

– Não. Ainda não contei.

– Pois então você desconfia dela.

– Não, não é isso, só preciso de um tempo para contar.

– Ah...entendo. É por isso que casamos com nossos iguais.

– Mas, pai...

– Ela sabe que você nunca trabalhou?

– Não. Por favor, pare. Está sempre me colocando na parede…. Amanhã mesmo vou à empresa. Começo amanhã, está bem?

– Ah, meu filho, amanhã. Sempre amanhã, amanhã. O amanhã é para jovens. Jovens pensam que nunca vão morrer.

– Vou amanhã. É verdade. Prometo!

– Olha, filho, estou cansado de suas excentricidades. Esse casamento é um erro!

– Pai, você não está entendendo.

– Entendo sim. Sei do seu entusiasmo quando espera algo; e do seu tédio quando alcança. Era assim com seus brinquedos. Por que agora seria diferente? Pensa rapaz.

– Já pensei. Está claro para mim. Estou amando. Não quer dizer que seja inconsequente.

– Ora, João Ricardo, até hoje administro sua conta bancária. Nunca se preocupou com nada. Dê um tempo a si mesmo, faça uma viagem, compre outro carro, mas não faça essa besteira!

– Agora é diferente...

– Sim é mesmo diferente. Essa está contando em receber depois do casamento.

– Não permito que fale assim!

– Hum... Acho que vou fazer o pedido. Deixa eu ver o cardápio..

– Pai, escuta...

– Aqui tem aquele mousse de chocolate que você sempre pedia quando era criança.

– Pai, escuta. Preciso dizer...

– Tem também Bananas ao Crème brûlée .

– Para! Para, não estou com fome.

– Está certo. Mas fique avisado. Casando, pode esquecer a boa vida.

– Pai, amo tanto...

– Você só está encantado. Beleza e desamparo... É mesmo irresistível. Um pouco de desconfiança lhe faria bem.

– Meu pai, suas palavras soam como veneno. Saiba que não escolhi amar...

– Filho, isso é uma fase! Também já quis o simples, o diferente. Mas passa. Sempre passa…

– Não se trata disso.

– Você ainda é jovem, João. Você tem…

– 24, 24 anos.

– Está vendo? É muito moço. Não sabe o que é a vida. Mas vamos fazer o seguinte, me apresenta a moça. Conversaremos. Está bem, assim?

– Está certo, pai.

– Então, até o próximo encontro. Nós três. Me dê um abraço, filho.

– Tchau pai, vou ficar mais um pouco por aqui.

– Tchau!

---------

– Olá! Como foi com seu pai?

– Foi tenso. Não consegui contar sobre nós. Vou tentar numa próxima vez.

– Não se cobre tanto. Com meus pais não foi diferente.

– Dani… - desculpa, acabei acostumando com o apelido que inventei para você - ...não consigo me perdoar. Tive medo de magoar meu pai, você entende?

– Entendo. Mas até quando vai esconder o que você é?

– Não sei. Só sei que é muito difícil viver essa mentira.

– Olha, não fica assim. Dani ou Daniel não faz diferença, me chame como quiser. Por ora, esqueça isso e vem cá. Quero te dar um beijo, meu ursinho João.

– Sim! Desejo muito esse beijo. Mas aqui não, Daniel. Lá no cinema. Vamos!

Comentários

  1. Eita conversa difícil! Nem posso imaginar! Mas é preciso coragem para ser feliz!

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  2. O diálogo prende a nossa atenção e nos deixa curioso para saber qual será a reviravolta. Ficou ótimo, Eliana!

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  3. Tive dificuldade em cumprir a tarefa, mas saiu alguma coisa. Obrigada meninas.

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  4. O diálogo que começa quase trivial vai apresentando uma série de complexidades: de um lado um apaixonado que omite informações de seu pai e de seu amado com a justificativa exatamente de amá-los, um caminho, talvez, mas que mostra certo medo de que todos esses amores não sejam o suficiente para encarar a realidade. De outro lado os vários pesos que se colocam na balança - o que é mais "pesado"? A sexualidade do personagem? O fato dele aparentemente ainda não saber o valor do trabalho? Muito bom!
    Vaneska

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