ATENÇÃO

Angela Fleury

Há tempos atrás consultei uma cartomante, dessas que colocam cartas de tarô em cima de uma mesa, ela de um lado, eu do outro. A expectativa era que ela descrevesse a minha personalidade, minha vida passada e presente e previsse o futuro. Que me trouxesse soluções para determinadas situações nas quais tinha dúvidas de como agir. Que dissesse o que estava por vir. Mas as cartas não tinham respostas prontas como eu desejava, mas sim outro olhar para as indagações. As cartas não respondiam às perguntas, elas indicavam uma direção: Dê ouvidos à voz interior para saber o rumo a ser tomado, mantenha desbloqueados os caminhos que levam à intuição. 

Sempre seguindo as instruções da cartomante, repetidas vezes, embaralhei as cartas, as cortei ao meio e coloquei os dois montes sobre a mesa. Muito séria e concentrada a vidente dispunha as cartas cuidadosamente uma ao lado da outra e as imagens, claras e estimulantes com suas cores vibrantes, iam me conectando com o que queriam me dizer. O Mágico, a Lua, a Justiça, o Eremita, o Enforcado, a Lua, o Sol, a Torre, as cartas variavam, não eram sempre as mesmas, mas eram intrigantes insistindo sempre na importância da auto-observação. Para a cartomante a mensagem estava clara. A leitura era simples, estava confirmado, não havia dúvidas. As cartas insistiam que eu ouvisse sempre o conhecimento interior. Não havia respostas prontas para as minhas dúvidas, havia apenas a recomendação de que eu seguisse a minha intuição.

Nunca mais me esqueci daquela cartomante e da sua insistência em afirmar a importância desse saber. Mas o que seria mesmo uma pessoa intuitiva? Intuição é tão difícil de definir. Intuição, pressentimento, palpite, faro, instinto, percepção, perspicácia, suspeita, premonição. Um tipo de saber que temos dentro de nós para entender, para identificar ou para pressupor coisas que não dependem de um conhecimento empírico e racional. Um tipo de percepção que carregamos e que talvez em algum momento, de alguma maneira, possamos acessá-lo. Um olhar para dentro, uma contemplação interior. Uma voz que nos orienta a tomar essa e não aquela decisão e que nos faz desconfiar de certas pessoas mesmo sem saber exatamente o porquê e confiar em outras. Talvez tenhamos, em nosso próprio interior, a sabedoria que necessitamos, mas como acessar esse conhecimento?

Passar um tempo sozinho pode ser uma maneira de nos reconectar. “É preciso poder desfrutar um pouco de solidão, um pouco de silêncio, porque não dá para ouvir a intuição em meio ao barulho do cotidiano”, destaca Sophy Burnham, autora de The Art of Intuition. Para a autora, nossa intuição está sempre presente, sempre lendo a situação, sempre tentando nos reconduzir ao rumo certo. Mas podemos ouvi-la? Estamos prestando atenção? Estamos mantendo uma vida que permita que os caminhos até a intuição fiquem desbloqueados?

Tudo isso me faz pensar que a meditação e outras práticas que desenvolvam a atenção podem nos ajudar a apaziguar o coração e a silenciar a tagarelice mental. Através de uma prática diária talvez possamos lidar melhor com nossas inquietações e nos fortalecer. A sintonia com a intuição nos ajudaria a pesar objetivamente as nossas opções e a tomar as decisões mais coerentes. 

Talvez fosse bom parar e deixar os pensamentos clarearem como se fosse um lago tranquilo cuja areia fosse aos poucos repousando no fundo, deixando sua água cada vez mais límpida e tranquila. Do mesmo modo que o lago, se ninguém o agitar, nos deixa ver com nitidez seus peixes e plantas, ao pararmos percebemos que a mente relaxa, que os pensamentos desanuviam e que tudo parece ficar mais claro e seguro. Como a areia que descansa no leito do lago, a respiração se acalma no fundo do peito. Quando alcançarmos um mínimo de quietude talvez possamos nos abrir para novos campos mais sutis de percepção os quais talvez possam nos levar a um tipo de compreensão de nós mesmos e do mundo que nos rodeia. 

É preciso ouvir com atenção o sussurro, que quase não escutamos no meio da agitação, mas que podemos tentar ouvir na quietude. Quem sabe não encontraremos então respostas para as nossas indagações e as orientações para seguirmos na direção de uma vida sem transtornos. Mas para isso é preciso se aquietar, silenciar, estar atento para conseguir ouvir a voz da intuição. Prestar atenção no ciclo constante da respiração, no ar que entra e no ar que sai, talvez possa ser um bom começo..

Comentários

  1. Uma sacada legal do texto foi afastar do oráculo a função de interventor de uma realidade externa. Ele não foi aquele que deu respostas à busca pelo sucesso profissional ou à ajuda para conflitos amorosos. Disse para ficarmos alertas e escutar a nossa intuição, como também apaziguarmos coração e mente. Resta saber se pobres mortais incrédulos e alucinados como eu conseguiria tal façanha.
    Eliana Gesteira

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  2. Gostei do texto, da forma clara e firme do estilo, das conclusões que tirou.

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  3. Realmente uma grande sacada, partir da consulta à cartomante para reflexões tão pertinentes sobre essa coisa cada vez mais dificil, permitir o silêncio interior para, enfim, poder ouvir-se. Um texto irretocável, muitíssimo bem escrito.
    Vaneska

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  4. Concordo com o que disse a Vaneska. Não precisamos que uma cartomante nos diga o óbvio, mas queremos ouvir o que já sabemios.

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