THEO E A CARTOMANTE

Julia V.

Caramelos desacelerantes. Era o que eu queria agora. Big Crunch, o Bang ao contrário, quando a expansão acelerada se detém e surge a contração. Do universo. Eterno Retorno para tornar um pouco mais sustentável. Essa leveza... Porque eu como historiadora, me contradigo constantemente? Circular, acredito. Que assim seja toda a história. Espiral, para cima e para baixo, debaixo. E vai levando todas as coisas que existem. Texto confuso esse. Quem pensa, pensa melhor andando. De bicicleta. No contra-fluxo, claro, sempre. Da Djalma Ulrich, pego a Barata Ribeiro e sigo reto até a Figueiredo. Passando pela Constante, lembro a música de Cazuza, “Vamos lado a lado como dois gigantes enfrentando os ônibus”. Paro, ligo o Belle and Sebastian. “Ooh! Get me away from here, I’m dying/ Play me a song to set me free”. Theo é “Deus supremo” em grego... Agora acelerou de vez. Tanto que pareço voar. Como aquele balanço lá do sítio... O topo das árvores, o céu no meio delas, azul já ficando estrelado, lilás, preto. “Theozinha, volta para casa!”. “Já vou, mami. Só mais quinze minutinhos”. “Agora!”. “Obedece a sua mãe. Theodora, um, Theodora dois, Theodora!”. “Estou indo, pai! Mas como ele é chato...” 

Vento no rosto, barulho de móbile faz no brinco, penduricalho neo-hippie. Cabelo vai soltando do elástico e atrapalha um pouco a visão, já meio turva pela água que quer escorrer, vazar olhos. Pedal, roda, trilho, pés que escorregam. “Cuidado, o poste, moça!”. Bateu. “Perdi. Perdeu”, ainda pensei. Caí. 

Eu, Bruna e Guilherme comíamos caramelos em balas, chamávamos desacelerantes porque girávamos tanto, tanto... Lá no jardim do sítio de Teresópolis. Tínhamos uns cinco ou seis anos. Sabe que eles não se lembram? Mas, eu sim. E a Jordana, há um tempo me disse: “É Theozinha, acho que tinha esse negócio de caramelo sim... Vocês colocavam um monte na boca e iam rodando no jardim, gritavam, riam, aí iam parando devagar e caíam estatelados. Dava gosto de ver”. Jordana, uma fofura. Anjo que apareceu nas nossas vidas. Aposentou-se e voltou para o Ceará. Pena. Gostava de tê-la por perto. É que atualmente não saio mesmo é de Copacabana...

Abro os olhos. 

“Faça uma consulta com a melhor e mais antiga cartomante de Copacabana. Resolva seus problemas familiares e amorosos!”

Rapaz de Preto: Moça, você está bem? 

Mulher de Coque: Deixa eu lhe ajudar.

Menina Mastigando Chiclete: Quer que ligue para alguém? Manda um WhatsApp.

Senhor de Barba Branca: Quer que leve para o hospital?

Eu penso: Assim... Pensava que na rua eram todos estranhos e cada um por si...

Senhora Gordinha: Aqui em Copacabana todo mundo se ajuda. É por isso que não saio daqui nunca, moço, minha filha quer me levar para a Itália, vou nada. Olha, ela está se levantando. Vamos ajudar.

Eu digo: Está tudo bem, obrigada. 

Moça de Rosa Choque: Foi o poste. Ih, olha só o que está escrito aqui.

Eu: Li.

Senhora Gordinha: Se eu fosse você, moça, ligava. Não é todo o dia que a gente dá de cara com uma solução dessas, né?

Moça de Rosa Choque: Pois é, muita sorte, muita coincidência. Acho que vou ligar também.

Menina Mastigando Chiclete: Fala sério.

Rapaz de Preto (me ajuda a levantar): Não, não suba ainda. Você deve estar tonta.

Eu: Estou mesmo. Vou andando. Obrigada, gente. 

À noite, voltei lá. Anotei o telefone da cartomante... 

Dia seguinte: Liguei. Marquei. 

Não fui. Não acredito em futuro que já exista... 





Comentários

  1. Gosto da forma de associação livre do texto, você vai mesmo pulando de galho em galho, de lembrança em lembrança, de cara aturde um pouco o leitor, gostei do diálogo da gente de Copacabana,do final: " Não fui. Não acredito em futuro que já exista.". Texto original e bom.

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  2. O texto acelera. Caramelos desacelerantes cairiam bem rs. Dá pra sentir o vento no rosto da personagem, dá pra sentir o impacto. Adorei a forma como o texto se desenvolve, como disse a Maria Júlia, a associação livre do texto. Muito, muito bom mesmo - forma e conteúdo.
    Vaneska

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  3. O texto lembra tb um roteiro de teatro, com as rubricas e revela o estilo poético da autora.

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  4. Julia V. " que texto confuso é esse... agora acelerou de vez...tanto que pareço voar como aquele balanço lá do sitio... o azul já ficando estrelado, lilás, preto...vento no rosto, barulho de mobile faz no brinco... cuidado... o poste... bateu... perdi... perdeu...Caí. ...foi o poste Ih! olha só o que esta escrito aqui... Liguei... Marquei ... Não fui."
    Genial, Julia V. Texto genial!!! Parabéns! Texto para ser lido varias vezes e a cada vez ir entrando mais e mais na sua genial narrativa. Adorei.

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