CARTOMANTE

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Jerusa Nina

Mulheres de saias rodadas de muitas rendas coloridas. Dentes de ouro e pescoços carregados de penduricalhos. Mal descíamos da barca em Niterói e as andarilhas estendiam as mãos buscando as nossas para ler.

Mistério em seus olhares aguçava minha curiosidade a ponto de me fazer insistir para que papai deixasse os segredos da minha vida serem desvendados em décadas antes das experiências. Um pouco contrariado ele aceitou fazer minha vontade.

- Terás vida longa!

“Que bom!”. Pensei. 

Aos sete anos já não me agradava mesmo a ideia de morrer.

“Quem me dera pudesse dizer que não morreria nunca. Aí sim, seria uma grande revelação”.

- Esta aqui é a linha da vida...

“Como ela consegue ler as linhas das mãos? Que dom divino! Mas onde estão as letras? Quem me dera se ela conseguisse ler as letras nas mãos. Aí sim, seria uma grande revelação.

- Vás casar cedo!

“Nossa, como ela pode saber disso? Que maravilha! Mas com que idade? Quem me dera se ela conseguisse saber o nome do sujeito. Aí sim, seria uma grande revelação”.

- Serás professora... Um riso misterioso se fez presente no canto dos lábios.

“Linda profissão!”

Papai já se fez mal humorado por conhecer as dificuldades do ofício e eu ainda curiosa por saber o por vir.

- Terás cinco filhos...

“Nossa? Cinco? Ei? Acho que essa história está trocada!”

Devo ter feito uma cara de questionamento acentuado, que foi prontamente interpretada por meu pai. A sessão foi interrompida de imediato.

- Essa é a história da minha mãe! Você chegou atrasada mais de cinquenta anos. Esta menina aqui é minha filha.

Naquele dia tive a certeza de que as cartomantes sabem mesmo é ler o passado. Quem me dera se conseguissem ler o futuro. Aí sim, seria uma grande revelação.

Comentários

  1. Unknown24 de junho de 2015 às 19:20

    Gostei do texto no estilo flash back. Não conheço a Jerusa pessoalmente mas só por fotos e fiquei imaginando a autora de sete anos na cena descrita. Eu até lembrei das ciganas da quinta da Boa Vista, quando eu era criança iamos muito lá. Lembro que uma vez uma delas se aproximou da minha mãe seguramente oferendo seus serviços. Lembro de que perguntei : mãe quem era essa mulher que falou com você? E a minha mãe respondeu: É uma cigana!...

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  2. Maria Júlia27 de junho de 2015 às 03:55

    Grande final, Jerusa. Outra frase que gostei"Aos 7 anos não me agradava a ideia de morrer".Muito boa a história da menina e da cigana, figura que sempre mexeu nas fantasias infantis. Minha mãe recomendava para não abrir a porta para ciganas, quando tocavam a campainha eu antes perguntava: "É cigana?"'.
    Outra frase que gostei"Aos 7 anos não me agradava a ideia de morrer".

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  3. Elisa13 de julho de 2015 às 04:34

    Achei o texto divertido e, coincidentemente, é o que acho, só se lê o passado mas, o futuro, essa ainda é uma tarefa para muito poucos (ou talvez, ninguém).

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  4. Sonia Andrade13 de julho de 2015 às 15:11

    Bom encaminhamento do tema proposto. Falar de ciganas desperta a nossa fantasia e é essa a função da literatura de ficção.

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  5. Roda de Escrevinhadores19 de julho de 2015 às 07:35

    Muito gostosa e visual a abordagem do tema. O viés irônico arremata com muito charme!
    Vaneska

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  6. angela fleury2 de agosto de 2015 às 17:28

    Interessante como Jerusa vai pontuando o texto com uma frase que se repete ao longo de toda a narrativa: "Aí sim, seria uma grande revelação." A escritora expõe a sua crítica e o seu questionamento a respeito do poder de adivinhação das cartomantes, porém de uma maneira lúdica e sutil. Perfeito Jerusa.

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