A CARTOMANTE
Liacora
Ela era assim, vestia a saia estampada que escorregava cintura abaixo até que amarrava a faixa vermelha.../ a blusa ela tinha duas opções : podia ser uma de mangas fofas e toda trançada na frente, cor ocre ou uma camiseta vermelha de malha rendada/ ela gostava do modelo da 1a e da cor da 2a/ escolheu vestir a de mangas compridas e enfeitou com uma flor vermelha/
Aquela menina tinha só 12 anos e toda 5a feira vestia-se de cigana e atravessava a ponte até o Bairro Sigaud/ era um bairro de imigrantes do leste europeu e era lá que o seu tarot se manifestava/ há um ano que aquele baralho era seu/ presente da sua única tia/ a menina ficara fascinada com as imagens dos arcanos maiores/ examinara cada detalhe e as associações vieram sem controle/ ela sabia que tinha algo especial nas mãos/ a partir daquele dia , seu tarot ia com ela para todos os lugares, dentro de um saquinho de malha/
Ester era pobre/ não conheceu seus pais e só depois de maiorzinha ficou sabendo que a tia era "tia de consideração "/ mas como a amava!/ e como elas eram parecidas/ havia um respeito e compreensão mútuos/ sua tia a conhecia muito bem, prova disso foi o presente - tão pequeno, mas ali cabia o mundo/
Quem a via passar, admirava-se com o frescor que irradiava/ o movimento da saia parecia coordenado com o dos cabelos e com os brincos de medalhinhas/ nos lábios um ligeiro sorriso de quem está em seu elemento/ ela não saía sem colocar uma gotinha de essência de âmbar em cada pulso e entre os olhos/ nem sabia dizer como , quando e porque começou a gostar daquele aroma/
Ela sentia, desde bem pequena, magia em tudo/ quando tinha uns 8 anos de idade, ou menos, sua mãe conversava com uma conhecida , naquela rua sem calçamento e pouco iluminada/ ela, esperando a conversa acabar, olhou para o céu estrelado e algo a inundou / uma sensação tão forte que jamais esqueceu/ muitas vezes conseguia reviver aquele momento, mesmo depois de adulta/ foi uma sensação forte, extraordinária/ ela e aquele céu estavam integrados/ ela fazia parte do Universo/ só depois de adulta conscientizou-se disso, revivendo aquele momento/ mas, quando aconteceu, era emoção pura, um arrebatamento ! /
Assim era Ester, conhecida como A Cartomante.
Cores, cheiros, movimentos nos ajudam a imaginar como real a ciganinha Ester. O texto também deixa rastros para que possamos situar a condição familiar e social da personagem. Escrita rica e despretensiosa.
ResponderExcluirEliana Gesteira
Texto despojado,leve, bomito 'com alguma poesia.. Gostei das ciganas de Niterói que frequentam esta Roda.
ResponderExcluirTexto interessante e diferente, ampliando a visão, quase que unânime, de que as cartomantes são "fabricadas". Visão que vai além e dá outra conotação que nos surpreende.
ResponderExcluirElisa
Inicialmente o que me chamou muita atenção foi a estrutura do texto. Linhas tracejadas separando os parágrafos. Barras pontuando o texto, substituindo pontos e vírgulas. Mas, nem sempre, fica clara a sua estrutura, já que virgulas, dois pontos e ponto de exclamação surgem quando não mais os esperamos. Mas é nesse momento que a poesia se impõe.---------------- "As associações surgem sem controle/ assim como o sorriso de quem está em seu elemento/ sente-se a magia em tudo/ olha-se para o céu estrelado e algo nos inunda/ sensação forte e extraordinária/ ela e o céu estavam integrados/ ela fazia parte do Universo/"-----------------------------------------------------------
ResponderExcluirEstilo original que destingue o texto dos demais. Forma original de tratar o tema sugerido.
ResponderExcluirEstava pensando o que mais gostei neste texto e derepente entendi que foi a maneira como o tema foi abordado. Quando se fala em cartomante em geral se pensa no ato de ir a uma consulta, a preocupação com o futuro ou mesmo a dúvida sobre a veracidade desses profissionais nas artes ocultas. Aqui nada disso foi mencionado. O texto fala da conexão de uma menina com a natureza e seus mistérios. Talvez ai esta a chave de tudo.
ResponderExcluirA cartomante aqui é o personagem central, não um motivo, uma insinuação, um ponto de partida. Também me chamou muito a atenção a estrutura do texto, já tão bem abordada pela Angela, muito ousado mesmo!
ResponderExcluirVaneska