POR QUE ACABA O AMOR?

Vaneska M.

Sempre segui o conselho de Drummond sobre a palavra amor: não facilito, não jogo no espaço, não emprego sem razão, não brinco, não espalho aos quatro ventos. Se melhor discípula fosse, sequer a pronunciaria.

Fato é que morro de medo de tentar falar de amor. A sensação é de que quaisquer palavras que use o tornarão menor e vulgar. Muito mais por incompetência poética e filosófica, não ouso defini-lo. 

Minha pequena arrogância aqui será indicar mal traçadas hipóteses sobre o porquê de seu fim.

Os adeptos de sua faceta romântica dirão que ele não acaba. Se acaba não era amor. Os mais apegados dirão que ele se transforma. Eu acredito que o amor acaba. Repleto de si ele não se contenta com ser nada além de amor.

O amor acaba porque gasta. Porque usamos sem moderação. Sugamos tudo. Roemos até o caroço. Lambuzamos a cara como se amanhã não houvesse. O pobre do amor fica sequinho e cai do pé.

O amor acaba soterrado na casa própria. Atropelado pelo carro novo sempre mais novo. Televisões de duas mil polegadas, adegas, móveis planejados, taças de cristal, mil bibelôs, viagens protocolares. O amor acaba sufocado pelas coisas.

O amor acaba porque um entra quando o outro sai. Um quer quando o outro evita. Um aspira enquanto o outro exala. O amor acaba quando fica sozinho no escuro. O amor acaba no desencontro.

O amor acaba nas garrafas de água vazia. No lixo por tirar. Na toalha não pendurada.  Nas roupas jogadas no chão. Nas coisas fora de lugar. O amor se acaba na confusão e na bagunça que é sempre do outro.

O amor morre de falta. Falta de educação, de compreensão, de paciência, de compaixão, de ternura. O amor morre de falta de cafuné.

O amor acaba sem ser percebido. Na desatenção nossa de cada dia. Na falta de tempo. No deixa pra lá. Nas desnecessidades subentendidas e mal concluídas. O amor acaba no silêncio.

O amor acaba porque a gente muda. Porque ficamos de saco cheio. Porque enjoamos. Porque queremos um amor diferente. Um amor novinho em folha, que nos faça lembrar do velho amor quando ardia. O amor morre de tédio.

Esse amor que tenho medo de vulgarizar acaba por muitos motivos. Paradoxalmente todos eles ordinários. “...O amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será.”. Carlos não vai se matar por isso. Nem eu.

*Não se mate, Carlos Drummond de Andrade
*O seu santo nome, Carlos Drummond de Andrade

Comentários

  1. Excelente texto, Waneska. Além de bem escrito, está repleto de verdades. Acho que as pessoas confundem paixão com amor. Esse deveria durar mais...

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  2. "O amor acaba por falta de cafuné". Disse tudo, Vaneska. Texto bonito, cheio de puras verdades. Fechou muito bem com a frase final. Você é uma escritora!
    M.Júlia

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  3. Posso dizer de seu texto, Vaneska, que me deu dor no estômago, assim, que nem um soco. Poesia em forma de crônica sobre a montanha de coisas que levam o amor ao fim. Poderia ter sido uma receita para jovens amantes. Não. Mostra que ele se parece com a vida, também repleta de tolices e desencontros. Parabéns!
    Eliana

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  4. O amor acaba porque tudo acaba. Hoje já não somos quem éramos ontem.Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, tudo flui e tudo muda, tudo se move, nada é estático, o amor flui, o amor muda, a gente muda... o amor acaba, a gente acaba... poesia e filosofia juntas, parabéns Vaneska

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  5. Texto muito ágil/ mal nos recuperamos de uma verdade, lá vem outra cacetada/ chegamos ao fim, tontos com a qualidade da forma e do conteúdo/ e somos informados que Carlos não liga e nem ela!

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  6. Me lembrou:
    ""Eu sempre achei que o amor,
    Que o grande amor, fosse incondicinal.
    Que quando duas pessoas se encontram, que quando esse grande encontro acontece, você pode trair, brochar, dar todas as porradas, se for um grande o amor, ele voltará triunfal.
    Sempre!
    Mas não, nenhum amor é incondicional.
    Então acreditar na incondicionalidade do amor, é decididamente precipitar o fim do amor, porque você acha que esse amor aguenta tudo, então de um jeito ou de outro você acaba fazendo esse amor passar por tudo, e um amor não aguenta tudo, nada nesse vida é assim!
    E aí você fala que esse amor não tem fim, para que o fim então comece.
    Um grande amor não é possível,
    talvez por isso seja grande.
    Então, assim, nele, obrigatoriamente, pode caber também o impossível.
    Mas quem acredita?
    Quem acredita no impossível, que não apaixonadamente?
    Como a um deus, incondicionalmente."
    (Michel Melamed)

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  7. Amei Vaneska, o texto e outros amores e ninguém morreu :)

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